Novo chanceler José Serra durante posse
no
Itamaraty: novas diretrizes.
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Amigo de longa data de José Serra,
o ex-secretário geral da Unctad (o órgão da ONU para comércio e
desenvolvimento) Rubens Ricupero diz que "conversou bastante" com o
novo chanceler quando este foi convidado a assumir o Ministério de Relações Exteriores
pelo presidente interino Michel Temer.
"Procuramos - eu e (o
ex-ministro do Desenvolvimento) Sergio Amaral - dar a ele (Serra) um pouco de
nossa percepção da situação (das relações exteriores brasileiras)", diz o
diplomata aposentado.
Ricupero, que também foi ministro
da Fazenda do governo Itamar Franco e embaixador em Washington, nega que haja
contradição no fato de Serra prometer uma "desideologização" da
diplomacia brasileira e, ao mesmo tempo, enfatizar as relações com países de
governos mais liberais, como a Argentina de Mauricio Macri.
Para ele, fechar representações em
outros países em um contexto de escassez de recursos é uma questão de "bom
senso". "De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter
dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone?"
E o atual governo não precisa se
preocupar com sua legitimidade no exterior.
"No fundo, a reputação que
este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele enfrentar os
problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não",
diz.
"É um pouco aquilo que se diz
em inglês, 'Nothing succeeds like success' (Nada tem mais sucesso do que o
sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser
muito criticado."
Confira a entrevista que Ricupero
concedeu à BBC Brasil, por telefone, da casa de uma de suas filhas, na França.
BBC Brasil: Serra prometeu
"desideologizar" as relações exteriores, mas em seu primeiro discurso
também falou na aproximação em países politicamente mais alinhados ao atual
governo brasileiro, como Argentina e México. Isso não é uma contradição?
© BBC Ex-ministro Rubens Ricupero
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Rubens Ricupero: Não
há contradição porque uma coisa é você apoiar uma ideologia clara, como era o
bolivarianismo, com a qual o PT tem certa identidade. Outra muito diferente é
reconhecer realisticamente que o Brasil precisa manter uma relação mais
estreita com os dois grandes países latino-americanos que são comparáveis a nós
em tamanho, economia e influência - o México, no norte, e a Argentina, no sul.
Isso não significa que haja
menosprezo pelos outros. Os países (da Aliança) do Pacífico e mesmo Venezuela,
Bolívia e Equador, todos são parceiros. Mas (ter como foco a Argentina) é uma
atitude realista, da mesma forma que para a Franca a relação especial é com a
Alemanha. Ninguém aqui imaginaria que essa é uma opção ideológica - é uma
imposição da realidade.
Ideologia é postular uma relação
especial com países distantes, com os quais temos pouco em comum até na vida
econômica, como Cuba e Nicarágua, apenas porque eles fazem parte da aliança
bolivariana.
BBC Brasil: Mas se a Argentina
tivesse um governo kirchnerista a aposta não seria a mesma, seria?
Ricupero: Seria,
porque, como disse, isso é uma imposição da própria vizinhança, da realidade.
Agora, não há dúvida que facilita (a relação), como o ministro disse no
discurso, o fato de Argentina e Brasil estarem sintonizados, passando por
momentos semelhantes, com problemas graves de natureza econômica e com o mesmo
tipo de transição. Também com novos governos que têm uma visão parecida sobre a
necessidade de uma inserção internacional mais aberta. Isso facilita
enormemente para que se comece a mudar o panorama do Mercosul.
Uma coisa é um Mercosul em que o
Brasil quer negociar com outros países acordos de comércio e a Argentina faz
corpo mole, como até poucos meses atrás. Outra é ter um parceiro que quer tanto
quanto nós negociar ativamente com a União Europeia e outros países. Há uma
atitude diferente.
México, Colômbia, Peru, Chile.
Todos esses países querem se integrar no mundo, abrir-se ao comércio e ao
investimento - mesma linha que o Brasil segue agora. Então é natural que você
tenha mais afinidade com esses países.
BBC Brasil: A diplomacia de
Lula foi marcada por uma expansão do ativismo do Brasil lá fora e um aumento do
número de embaixadas e consulados. Serra pediu que fosse calculado quanto
custaria fechar algumas dessas representações. Fará uma diplomacia mais contida?
Ricupero: A diplomacia
de Lula e do chanceler Celso Amorim refletiu um grande momento positivo vivido
pelo Brasil, inclusive na economia. Havia um contexto mundial favorável, com
crescimento acelerado da China e alto preço das commododities. Agora, a
situação mudou muito. Essa redução do ativismo já foi perceptível no governo
Dilma.
© AFP Presidente
argentino Maurício Macri estaria disposto
a negociar
acordo UE-Mercosul
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Todo país em fase de dificuldades
orçamentárias costuma reavaliar sua rede de representações para tirar melhor
proveito dos recursos. Os ingleses recentemente, com os conservadores no poder,
fecharam alguns postos diplomáticos e remodelaram outros. A França também fez
isso. É apenas um reflexo das dificuldades.
De que adianta ter um número
enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone?
Tenho colegas aqui no exterior que não conseguem pagar conta da internet,
telefone. Eu mesmo quando fui embaixador em Washington durante o governo
(Fernando) Collor tive de pagar as contas da embaixada do meu bolso pra evitar
um corte.
É melhor que, nesses casos, haja
uma atitude de bom senso de fazer com que os gastos correspondam aos meios. É
isso que eu acho que vai ser feito, mas isso não significa diminuir o nível de
atividade. Você pode conseguir a mesma coisa utilizando melhor os recursos.
BBC Brasil: A expansão de
embaixadas foi um erro?
Ricupero: Talvez menos
que erro. Foi um entusiasmo precipitado. Julgou-se que aquele período de
bonança duraria para sempre. E não só na política externa. Havia essa atitude
com relação a todos os gastos do governo. Por isso eles se expandiram tanto.
BBC Brasil: O tom das notas
emitidas em resposta a governos como Cuba, Nicarágua e Venezuela (que
condenaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff) causou polêmica e
dividiu o Itamaraty. Para alguns, elas seriam muito incisivas, políticas.
Presidente argentino Maurício
Macri estaria disposto a negociar acordo UE-Mercosul
Ricupero: Não
concordo. A surpresa seria se não houvesse reação. Porque as notas dos outros é
que foram de uma agressividade inacreditável na convivência diplomática. A nota
da Venezuela, por exemplo, é umas sete vezes mais longa que a nota de resposta.
A do Brasil é enérgica, mas está dentro do formato diplomático tradicional. Não
há nenhum juízo sobre o que está acontecendo na Venezuela ou Cuba, sobre como
são as eleições nesses países. Nada que atente contra o princípio de não
intervenção. Quem interveio no Brasil foram eles. Apenas respondemos a uma
agressão.
BBC Brasil: O que esperar da
diplomacia de Serra?
Ricupero: Uma
diplomacia realista, pragmática e sóbria, comprometida com a ampliação de nossas
exportações e atração de investimentos para ajudar o país a sair da crise. No
momento o comércio exterior, o setor externo é um dos poucos setores da
economia que está começando a apresentar bons resultados. É verdade que por
razões negativas - as importações caíram muito. Mas há a expectativa de se
ampliar as exportações, e, com isso, criar empregos no Brasil.
BBC Brasil: O atual governo não
pode ter dificuldades para garantir sua legitimidade lá fora?
Ricupero - Não se
pode dar muita importância a essas coisas. No começo, sempre há esse tipo de
estranheza, porque obviamente aconteceu uma coisa (processo de impeachment) que
não é trivial e é preciso explicar (isso lá fora). Mas o que tenho visto na
imprensa internacional é uma descrição se não positiva, ao menos bem informada
(do que está ocorrendo no Brasil). Os artigos que vi no New York Times, Financial
Times, Economist, Le Monde refletem a complexidade do que está se
passando.
No fundo, a reputação que este
governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele vai enfrentar os
problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não. É um
pouco aquilo que se diz em inglês "Nothing succeeds like success"
(Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido.
Se não tiver, vai ser muito criticado.
Protesto na Venezuela: para alguns
analistas, país estaria à beira de um colapso
Temos no debate no exterior a
mesma divisão que no Brasil. Há quem seja favorável e quem seja contra (o
impeachment). Afinal, vivemos (com o impeachment) um dilema no sentido estrito,
do dicionário: uma situação em que uma pessoa é obrigada a escolher entre duas
alternativas ruins - tanto a continuação como a mudança (eram ruins). E aí foi
preciso ver marginalmente qual oferecia uma esperança de melhora.
© Reuters Protesto
na Venezuela: para alguns analistas,
país estaria
à beira de um colapso
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BBC Brasil: A crise política e
econômica da Venezuela se aprofundou. Alguns analistas dizem que o país está à
beira de um colapso. Como o Brasil deve se posicionar?
Ricupero: Quando era
diplomata cuidei de Venezuela por muitos anos. Não sei qual a opinião do
ministro (Serra) sobre isso, mas acredito que a gente deve se manter dentro do
princípio de não intervenção. Sei que a situação está muito tensa e se agrava
dia a dia, mas não vejo outra possibilidade. Os países têm de encontrar seus
caminhos por seus próprios meios e os outros podem ajudar se forem solicitados.
Os resultados que vimos no mundo de ações que violam esse principio de não
ingerência - por exemplo, a invasão do Iraque, a derrubada do regime da Líbia -
foram todos desastrosos, ainda que tenham vindo embrulhados nas melhores
intenções.
BBC Brasil: Serra deu
indicações de que deve apostar nas negociações de acordos bilaterais. As
dificuldades econômicas não podem ser um empecilho para atrair o interesse de
outros países? Quais os acordos mais prováveis?
Ricupero: Esses
acordos já estão em andamento. Eu soube que (um acordo) com o Peru está
praticamente concluído. Imagino que vai ser mais fácil com esses países que se
mostram mais abertos, Peru, Chile, México, espero que a Colômbia também.
No caso dos EUA, é possível que se
encontre uma maneira de continuar o esforço que o (ex-)ministro Armando
Monteiro estava fazendo para examinar todas as barreiras não-tarifárias. Com a
União Europeia eu diria que vai ser prioridade máxima, porque em conjunto a UE
é de longe o maior parceiro comercial do Brasil e a maior fonte de
investimentos para o país. A China também deve receber atenção especial.
BBC Brasil: O Mercosul pode
deixar de ser uma união aduaneira para virar área de livre comércio?
Ricupero: Não acho que isso seja uma decisão (do ministro), não está no discurso dele. Essa ideia de deixar a união aduaneira é complexa, precisaria ser analisada em todas as suas implicações. Há setores importantíssimos tanto no Brasil quanto na Argentina que teriam dificuldade se não houvesse a união aduaneira, como o automobilístico.
BBC Brasil
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