A
possibilidade de regulamentação da produção, comércio
e uso da
maconha voltou a ser debatida nesta segunda-feira
(11) pela
Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.
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O Brasil pode se igualar aos
demais países da América do Sul que descriminalizaram o porte de drogas hoje
ilícitas e passar a ser tolerante com o consumo e com o cultivo para uso
próprio. A medida depende do Supremo Tribunal Federal (STF) que deve julgar,
neste mês, ação questionando a inconstitucionalidade da proibição. A Defensoria
Pública do Estado de São Paulo recorreu à Corte, alegando que o porte de
drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, não pode ser
considerado crime, por não prejudicar terceiros. O relator é o ministro Gilmar
Mendes, que finalizou o voto e deve colocar o tema em votação ainda este mês.
Para especialistas em segurança
pública, direitos humanos e drogas, o STF tem a chance de colocar o Brasil no
mesmo patamar de outros países da região e dar um passo importante para
viabilizar o acesso de dependentes químicos ao tratamento de saúde, além de pôr
fim à estigmatização do usuário como criminoso.
“A lei de drogas manteve a posse
de drogas como crime, mas não estabeleceu a pena de prisão – o que foi um
avanço. O entendimento que se tem é que isso [a proibição] é inconstitucional,
diante dos princípios da liberdade, da privacidade, no sentido que uma pessoa
não pode ser constrangida pelo Estado, sob pena de sanção, por uma ação que,
caso faça mal, só faz mal a ela”, explicou a coordenadora do Grupo de Pesquisas
em Política de Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux.
O diretor para a América Latina da
Open Society Foundation, organização não governamental que defende direitos
humanos e governança democrática, Pedro Abramovay, diz que em nenhum país onde
o porte de drogas foi flexibilizado houve aumento do consumo.
“O Brasil está atrasado e se
descriminalizar vai se igualar a dezenas de países que já passaram por esse
processo. Todos os países que descriminalizaram o consumo, que falaram que ter
o porte para o consumo pessoal não é mais crime, não viram o consumo crescer.
Então, esse medo que as pessoas têm, de haver aumento, é infundado com os dados
da realidade”, destaca.
Ele acredita que a medida pode
fazer com que dependentes tenham acesso facilitado à saúde. “Hoje, um médico
que trata uma pessoa que usa crack, lida com um criminoso, tem a
polícia no meio, o que torna a abordagem mais e mais difícil”, destacou
Abramovay, que já foi secretário nacional de Justiça.
Traficante x usuário
Com a decisão do STF, também pode
sair das mãos da polícia e do próprio Judiciário a diferenciação entre quem é
traficante e quem é usuário, que tem levantado críticas de discriminação e
violação de direitos humanos nas prisões. A lei atual, de 2006, não define, por
exemplo, quantidades específicas de porte em cada caso, como em outros países,
e deixa para o juiz decidir, com base no flagrante e em “circunstâncias sociais
e pessoais”. “Em outras palavras: quem é pobre é traficante, quem é rico é
usuário”, critica Abramovay.
Segundo ele, o STF deve
recomendar, na sentença, que sejam estabelecidos critérios para a
caracterização de usuários, por órgãos técnicos como a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). “O Supremo pode dizer que, para garantir que a
Constituição seja respeitada, sem discriminação, são necessários critérios.
Esse não é um tema menor, a falta de indefinição leva ao encarceramento.
Estamos falando de um a cada três presos no país”, destacou Abramovay.
Em evento no Rio de Janeiro, na
semana passada, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reconheceu que as
“lacunas legais” para diferenciar traficantes e usuário alimenta o ciclo de
violência e superlota o sistema prisional. Segundo ele, o tráfico é o segundo
tipo de crime que mais coloca pessoas atrás das grades, depois de crimes contra
o patrimônio. No caso de mulheres, o tráfico aparece em primeiro lugar na
lista.
“Sabemos que temos uma cultura,
que não me parece adequada, de querer forçar a barra de tudo quanto é
traficante para poder criminalizar. Temos muita gente que é usuária – que
deveria receber tratamento de saúde – entrando nas unidades prisionais em
contato com organizações criminosas: ou seja, entra usuário e sai membro do
tráfico”, lamentou o ministro.
A professora da UFRJ Luciana
Boiteux aposta na regulação – da produção à venda das substâncias – como
solução para enfrentar a violência e os homicídios no país relacionados ao
combate ao tráfico.
Outro lado
Contrário à descriminalização do
porte de drogas para consumo próprio, o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS)
acredita que a medida é o primeiro passo para a legalização das drogas o que,
de acordo com ele, seria ruim para a sociedade.
“Se descriminalizar o uso, acabou,
legalizou a droga. Se não for crime usar [a droga], as pessoas vão andar com
droga à vontade. Vão levar para o colégio, para a praça, distribuir para os
amigos. E como é que pode não ser crime comprar, mas ser crime vender? Como se
resolve esse paradoxo? Isso vai acabar legalizando a venda. Os traficantes vão
[fingir] ser todos usuários. Isso vai aumentar a circulação da droga. Liberar a
droga só agrava o problema, não melhora”, disse Terra que preside a
Subcomissão de Políticas Públicas sobre Drogas da Câmara dos Deputados.
Ele discorda da tese de que o uso
de drogas é uma liberdade do indivíduo, que só afeta a ele. “A dependência
química é uma doença incurável. A pessoa vai levar aquilo para o resto da vida.
Isso pode reduzir sua capacidade laborativa e de cuidar da família. Muitas
vezes, [o usuário] sobrecarrega a família, porque a maioria é desempregada e
não consegue cuidar da família. Ele sobrecarrega seus pais, irmãos, que têm que
cuidar dele, tem que arrumar dinheiro para manter, tem que trabalhar mais. A
liberdade de ele usar droga é a escravidão da família”, afirma.
O deputado relaciona ainda o uso
de drogas, lícitas e ilícitas, ao aumento da violência no país. “Nossa epidemia
da violência é filha da epidemia das drogas. O Brasil é o país em que mais se
mata gente no mundo. Mata mais em homicídios, em acidentes de trânsito. Se
liberar, vai aumentar tudo isso. Qual é a maior causa de violência doméstica? É
o álcool, porque é uma droga lícita. Não é crime comprar álcool. A violência
doméstica vai aumentar muito em função da circulação das drogas ilícitas”, diz.
A opinião é compartilhada pelo
empresário Luiz Fernando Oderich, que fundou a organização não governamental
Brasil Sem Grades, que pede mais segurança e defende leis mais duras para
combater a violência. Max, filho de Oderich, foi assassinado há 13 anos durante
uma tentativa de assalto.
Segundo ele, o usuário não deve
ser tratado como criminoso. Entretanto, muitas vezes, ele se envolve em outros
crimes por causa do uso de drogas. “Existe uma relação entre um comportamento
não social e o consumo de drogas. Alguns, de uma maneira menor, e outros, de
uma maneira maior. É uma coisa que não faz bem”, disse o empresário.
O psiquiatra Osvaldo Saide, da
Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), diz que o ideal é não
tratar o usuário como criminoso, mas encaminhá-lo para tratamento. No entanto,
segundo ele, é preciso que a legislação deixe claro o que fazer em casos de
pessoas que cometam crimes sob efeito de drogas e em casos de venda de drogas
pelos usuários para sustentar seu próprio vício.
Para Saide, seria necessário criar
alternativas ao usuário como receber a pena pelo outro crime cometido ou se
submeter a tratamento compulsório. “A Justiça pode pressionar a pessoa para o
tratamento em uma situação em que ela não tem a noção da gravidade do seu problema,
até porque a dependência química leva a uma falta de noção da gravidade do
próprio problema. Às vezes, uma pessoa com profissão fica imersa, por exemplo,
nocrack”, disse.
A presidenta da Associação
Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (Abead), a psiquiatra Ana
Cecília Marques, acredita que a descriminalização do uso precisa ser discutida
pela sociedade, mas discorda que isso seja feito por um julgamento do STF.
“É preciso que haja uma lei que
defina claramente os casos específicos, como se ele é um usuário eventual, se
tem uma dependência. Sou a favor de descriminalizar, mas acho que precisa ter
todo esse rigor, que não é algo que existe nas nossas leis de drogas. Elas não
são claras, deixam várias lacunas. E no país faltam políticas para as drogas.
Sou a favor, mas temo por esse processo de descriminalização”, disse.
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