Estudo mostra que grupos estão em quase metade das favelas do Rio.
Preocupado com expansão, governador Cabral lançou desafio na posse.
Com o sucesso das operações que retomaram do domínio do tráfico o Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro, no fim do ano passado, uma outra ameaça chama a atenção do governo do Rio: os grupos de milicianos. A preocupação foi citada pelo governador Sérgio Cabral, em seu discurso de posse, no dia 1º de janeiro. “Em 2014 não haverá uma comunidade, um bairro do nosso estado dominado pelo poder paralelo, seja miliciano, seja traficante”, disse.
Mas, para os estudiosos do tema, será uma tarefa árdua, e vai exigir do governo mudança na dinâmica de atuação contra esses criminosos que já teriam o domínio de 41,5% das 1.006 favelas do Rio, de acordo com estudo realizado por pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenado pela antropóloga Alba Zaluar.
“Milícia é outra coisa. Eles (milicianos) são outro tipo de pessoas, são policiais, ex- policiais, bombeiros, estão ligados à estrutura oficial, possuem uma rede de relacionamentos que permite ter informações. Estão infiltrados em várias camadas de poder, no executivo, no legislativo, no judiciário. É crime organizado mesmo”, explica o ex-capitão do Bope, antropólogo e pesquisador do Instituto Universitário de Ciências Policiais da Universidade Cândido Mendes, Paulo Storani.
“O objetivo é a entrada no poder, é o lucro. Eles montam estrutura para isso. Milícia é uma atividade criminosa, com mais poder do que qualquer facção do tráfico. Eles conhecem o sistema, sabem como funciona. O governador criar expectativa é positivo, mas é preciso saber resolver o problema. E, sinceramente, o problema é muito mais difícil. Milícia vai ser o problema da década e não vai terminar em 2014. É um negócio muito rentável. Os operadores conhecem o sistema a ponto de se adaptarem ao que vai acontecer”, afirma o pesquisador.
Para Paulo Storani, o governo ainda terá que se preparar para enfrentar o monstro das milícias. “Essa vontade política tem que ser materializada em investimentos, estruturas policiais, treinamento e tecnologia”, acrescenta.
'Abordagem deve ser diferente', afirma delegado
O delegado Cláudio Ferraz, responsável pelas principais prisões de milicianos, como titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) da Polícia Civil, também destaca as dificuldades para enfrentar esses grupos.
“Já foi instalada uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em área dominada por milicianos, que foi o Batan, em Realengo. Qualquer comunidade pode ser ocupada. Agora, evidentemente que a abordagem de milícia é diferenciada. Não é só ocupação. Milícia é a polícia. É formada majoritariamente por policiais. Milícia em tese é polícia. Precisamos ir em cima dos líderes, dos policiais que chefiam esses grupos. O combate à milícia tem suas peculiaridades, com certeza”, ressalta.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), Wadih Damous, defende a participação da Polícia Federal nas investigações sobre milícias. “É um combate que não é meramente militar, tem uma complexidade muito maior”, afirma.
“Elas têm promiscuidade com aparelho do estado, parlamentares , com integrantes do setor público. É um trabalho que tem que ser feito com muita eficácia, caso contrário esses criminosos continuarão se reafirmando nas comunidades como protetores”, diz Damous, que compara a atuação das milícias às das máfias italianas.
'Milícia trabalha com domínio político', diz deputado
Segundo o deputado Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Milícias e se tornou um especialista no assunto, existem muitas diferenças entre as formas de agir das milícias e do tráfico.
“São criminosos violentos, possuem muito armamento e trabalham com domínio de territórios. Mas as semelhanças param aí. Qual foi o grande confronto armado da polícia com milicianos para tomada de comunidades? Não houve nenhum. A milícia trabalha com domínio político, controle de centros sociais. Frequentam o palácio do governo, é candidato político. É um nível de domínio muito maior. O governo precisa usar outros instrumentos para a retomada de territórios das milícias”, afirma.
O parlamentar lembra que o relatório da CPI, entregue ao governador Sérgio Cabral, possui 58 propostas para enfrentar as milícias.
O relatório da CPI apontou onde funcionavam as milícias e apresentou 58 propostas para enfrentá-las. “Milícia é policia. Tem que tirar deles o poder econômico, licitando as permissões para circulação de vans e outros transportes alternativos, desmilitarizar os bombeiros, que não precisam usar armas, e tipificar o crime de milícia”, completa.
Circular ameaçadora
A ousadia desses milicianos é conhecida - principalmente na Zona Oeste. Mas, moradores da Zona Sul, dos bairros Botafogo e Laranjeiras, também já receberam recados ameaçadores.
É o caso de um morador da Rua Martins Ferreira, em Botafogo, que recebeu uma espécie de circular com um aviso contundente, já que resistia a participar de uma "reunião" proposta pelo grupo: "Vamos ser mais objetivos nesta futura decisão" (Veja reprodução ao lado).
Veja abaixo depoimentos de quem já sofreu intimidações de milicianos
Moradora de Laranjeiras
“Penso em vender meu carro. Não há vaga para ele no bairro das Laranjeiras. Deixei na Rua Ribeiro de Almeida e o pessoal da milícia arranhou a lataria de ponta a ponta. Isso porque denunciei a privatização do espaço público. Eles dizem que a Rua Ribeiro de Almeida é uma comunidade e eu não faço parte, não pago a associação. Que coisa terrível, covarde, triste. Eles acham que são donos da rua.”
Morador de Botafogo
“De uma hora para outra, alguns homens surgiram na Rua Vicente Sousa, em Botafogo, e passaram a ser os donos do pedaço. Estão também na Bambina e Dona Mariana. Dizem que são integrantes de uma associação de policiais. Para isso, cobram taxas de moradores e até de pais de alunos dos colégios dizendo que é para impedir roubos de carros e garantir a segurança das pessoas.”
Funcionário de uma escola da Tijuca
“Eles entraram na escola e abordaram a direção, sem o menor constrangimento. Disseram que estavam ali para dar segurança ao colégio, aos alunos e funcionários. O dono da instituição, que é um coronel do Exército, disse que não precisava. Então, eles mandaram o seguinte recado: ‘Tomem cuidado. Vocês podem ser assaltados a qualquer momento. Cuidado com o que pode acontecer.’ Ficamos com medo de medo de retaliações, mas acho que não fizeram nada em respeito ao coronel.”
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