Dados do Ministério de Minas e
Energia apontam que o estado tem ao menos 147 mil famílias em situação de
pobreza energética
Sede da COP30 (30ª
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) e com
duas das maiores usinas hidrelétricas do país, responsáveis pela produção de
11% da energia do Brasil, o Pará é o estado com maior número de pessoas que
vivem no escuro. São ao menos 147 mil famílias estão em situação de pobreza
energética e sem eletricidade, segundo dados do Ministério de Minas e Energia obtidos
pelo R7.
O conceito envolve situações em
que casas ou comunidades não têm acesso a energia ou não estão “plenamente
satisfeitas suas necessidades energéticas”.
O acesso à energia elétrica
tem impacto na qualidade de vida dessas pessoas, permitindo a refrigeração de
vacinas e alimentos, a iluminação, o uso de computadores, o bombeamento de
água, além da geração de renda por meio de iniciativas de produção sustentável.
(Instituto de Energia e Meio
Ambiente)
A 125 km de Belém, no município
de Abaetetuba, fica o território quilombola Bom Remédio, onde cerca de 360
famílias vivem no escuro. Ao R7, Rosicleia Silva, que vive no
local, conta que alguns moradores pagam até R$ 3.000 por um sistema
clandestino, que proporciona energia de forma precária e ineficiente.
“As pessoas têm que pagar para
poder ter acesso, e, além de tudo, não é uma energia boa. Qualquer vento que
dá, as pessoas já ficam sem energia. Mas isso está em outra parte, que não é
aqui perto do rio”, explica Rosicleia.
Segundo ela, a comunidade está acostumada
a viver no escuro. A falta de energia dificulta o armazenamento de alimentos,
atrapalha o acesso digno aos serviços de saúde e dificulta a segurança na
região, principalmente devido ao uso de embarcações durante a noite.
“A gente está acostumado, nunca
veio. Como nunca veio, a gente já lida normalmente no dia a dia, mas a gente
sabe que é necessário. Temos uma dificuldade grande por não ter energia. Para a
gente guardar uma comida, a gente precisa comprar gelo. Então, em uma família
onde tem poucas pessoas em uma casa, é utilizado R$ 20 praticamente, de dois em
dois dias, para comprar esse gelo”, comenta Rosicleia.
Considerando os objetivos do
desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), ao menos
três dimensões se relacionam com o tema: o acesso à energia elétrica, uso de
fontes energéticas modernas para cozinhar e uso de equipamentos elétricos.
Energia que não chega
Responsável pela produção de
cerca de 11% da energia do Brasil, o Pará é o estado que mais produz
eletricidade, com duas hidrelétricas, de Belo Monte e Tucuruí, que somam 97,6%
do potencial energético de todo o estado.
Por ser um dos maiores produtores
de energia, consequentemente, o Pará se destaca na exportação de eletricidade
para outras regiões. Dados da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico)
apontam que a capacidade de exportação de energia do Norte/Nordeste para o
Sudeste/Centro-Oeste pode aumentar em até 30% até 2029.
Segundo Vinicius Silva, doutor em
ciências e líder de projetos do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), os
principais desafios em expandir o acesso à energia no Pará estão relacionados à
identificação da população que vive nessa situação, sua maioria em áreas
remotas da Amazônia, e a discussão sobre a instalação de um sistema nas casas
desse público.
Silva explica que apesar de o
Pará ter duas hidrelétricas, existem várias áreas do estado que não estão
conectadas a uma linha de transmissão.
“O que isso significa? Tem a
geração em um determinado lugar, mas você não consegue escoar para dentro do
estado, porque dentro não tem essas linhas de transmissão. Por exemplo,
Distrito Federal, Goiás e diversos estados do país estão todos conectados pelas
linhas de transmissão. No caso do Pará, tem várias regiões do estado que não
estão conectadas. Então, nessas regiões você tem uma dificuldade de levar a
energia desse sistema integrado”, disse.
O especialista explica que quando
não existe uma integração, é necessário de criar sistemas isolados, onde são
instalados unidades de geração perto da sede municipal, criando pequenas
distribuidoras de energia. Entretanto, como o Pará é um estado muito grande e
com vasto território florestal, Silva diz que em alguns casos a instalação é
“muito complicada tecnicamente”.
Além disso, muitas das áreas
fazem parte de territórios indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas, o
que dificulta a transmissão de energia para esses lugares. Ele explica, que em
casos como este, é necessário que seja discutido com esse público como a
energia será recebida.
“Seria como prolongar o fio da
distribuidora de energia até essa casa. Às vezes, é muito complicado
tecnicamente e muito caro. Então, você acaba tendo que ter outros tipos de
soluções para levar energia para essas pessoas”, aponta Silva.
Silva entende que existe, sim,
uma dificuldade enfrentada pelo país para levar energia para essa população.
Para ele, a universalização da energia elétrica ainda não foi alcançada porque
o avanço em políticas públicas para realmente resolver o problema de acesso
para quem está em regiões remotas começou faz pouco tempo.
“É identificar onde estão essas
pessoas, entender logicamente como se chega a esse território para levar
energia, porque a gente não tem mais problema técnico para resolver nem problemas
de custo, porque o custo caiu. E a gente tem uma política pública no Brasil
muito boa, o programa ‘Luz para Todos’, que pode levar energia para as pessoas.
Então, a questão toda é: onde exatamente estão essas pessoas e como acelerar o
processo de se levar a energia até elas”, completa.
O custo da exclusão energética
O acesso à energia confiável,
sustentável e moderna está entre os 17 objetivos estabelecidos pelo ONU
(Organização das Nações Unidas). A organização entende que a falta de uma
energia limpa e acessível impede o desenvolvimento da agricultura, negócios,
comunicações, educação, saúde e do transporte.
Segundo a ONU, caso o ritmo da
eletrificação se mantenha igual até 2030, ao menos 600 milhões de pessoas no
mundo vão permanecer sem acesso à energia.
“Precisamos acelerar a
eletrificação, aumentar os investimentos em energia renovável, melhorar a
eficiência energética e desenvolver políticas e estruturas regulatórias
facilitadoras”, diz um relatório da organização.
No cenário global, um relatório
da IEA (Agência Internacional de Energia) indica que a maior parte da população
que não tem acesso a energia vive em áreas remotas, principalmente na África
subsaariana.
Na região de Abaetetuba, a época
de chuva se torna um dos maiores problemas para a comunidade. Moradora da
cidade e presidente da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo,
Helena Santos explica que em períodos de tempestade, as quedas de energia são
frequentes e demoradas.
“Aqui, depende da chuva. Todas as
vezes que chove forte ficamos sem energia. Já houve semana que ficamos sem
energia três vezes, e demora a voltar. Ontem, por exemplo, ficamos sem energia
desde as 17h e voltou às 22h”, comenta.
“Tem toda uma questão de
armazenamento de alimentos, comunicação, e prejudica as aulas, pois faz muito
calor. Quando ficamos muito tempo sem energia, usamos velas, lanternas para
ajudar a cozinhar. Já os alunos, ficam sem aula”, completa.
Acesso à energia na Amazônia
Levar energia elétrica de
qualidade à região amazônica é um desafio para o setor elétrico, apontam
especialistas. A questão logística, altos custos de instalação e grandes
distâncias atrapalham a expansão do serviço no local.
Assim como o Pará, outros estados
da Amazônia Legal enfrentam o mesmo problema, como Acre, Amapá e Mato Grosso.
Um documento produzido pelo Iema aponta que, para atender as metas do programa
nacional de Universalização do Acesso e uso da Energia Elétrica na Amazônia
Legal, do governo federal, seria necessária a utilização de mais de 3 milhões
de equipamentos fotovoltaicos ao longo da vida útil dos sistemas.
Como solução para levar
eletricidade para áreas isoladas, o Brasil trabalha no desenvolvimento de
tecnologias de microrreatores nucleares capazes de abastecer entre 1.000 a
5.000 habitantes. O sistema, que pode ser controlado de forma remota, entra
como alternativa a geradores de eletricidade a diesel.
A iniciativa ainda está em fase
intermediária de desenvolvimento, mas é estimado que a tecnologia gere energia
por dez anos initerruptamente sem precisar de recarga. Ao contrário do uso de
água ou gás no sistema de refrigeração, como é feito nas usinas nucleares
tradicionais, o sistema usará heat pipes (tubos de calor), a
mesma proposta de reatores espaciais.
Até abril deste ano, 314 mil
famílias brasileiras ainda não tinham acesso à energia elétrica, mas estavam
previstas para serem incluídas no Programa Luz para Todos. Considerando uma
média de três pessoas por família, isso representa cerca de 942 mil pessoas
vivendo sem eletricidade no país.
O papel do governo
Em 2003, o governo federal criou
o programa Luz para Todos, que tem por objetivo fornecer energia elétrica à
população rural, bem como em regiões remotas da Amazônia Legal, que não possuem
acesso ao serviço público de distribuição.
O morador desses locais que ainda
não tem energia elétrica em casa deve procurar a concessionária de energia
elétrica que atende o seu município e registrar o pedido para fazer parte do
Luz para Todos. Para isso, é preciso apresentar um documento de identificação
pessoal.
Além disso, foi criado o auxílio
Tarifa Social de Energia Elétrica, também voltado para famílias que não têm
condições de manter um serviço de eletricidade em casa.
A tarifa atende famílias
inscritas no CadÚnico (Cadastro Único) — em que a renda mensal seja menor ou
igual a meio salário mínimo —, idosos e pessoas com deficiência que recebam o
BPC (Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social), além de
indígenas e quilombolas, que recebem descontos maiores.
Atualmente, a Tarifa Social é
concedida automaticamente para as famílias que estão inscritas no CadÚnico.
Caso a família atenda ao requisito de possuir renda familiar de meio salário
mínimo e ainda não esteja no CadÚnico, terá que fazer o requerimento do
benefício e solicitar informações nos Cras (Centros de Referência em
Assistência Social).
O Ministério de Minas e Energia
diz que a Tarifa Social de Energia Elétrica “desempenha um papel crucial na
redução da pobreza energética no Brasil, promovendo a inclusão social e
econômica das famílias de baixa renda”.
Além disso, a pasta considera que
a pobreza energética afeta, em maior ou menor grau, todos os países, mas que
diversos estudos têm sido realizados para estabelecer um nível ou patamar a
partir do qual um domicílio pode ser identificado como em situação de pobreza
energética ou, ainda, se é possível definir alguma forma de padronização.
“No entanto, definir com precisão
quando uma pessoa é considerada energeticamente pobre, ou determinar o nível de
pobreza energética em um indivíduo ou domicílio, é um desafio complexo”, diz o
ministério.
Até o ano passado, o Brasil não
tinha um entendimento definido do que era pobreza energética ou quantas pessoas
estavam nessa situação. Na época, o Ministério de Minas e Energia informou
ao R7 que uma proposta para a definição de pobreza energética
estaria sendo elaborada e seria apresentada na Política Nacional de Transição
Energética, que está em processo de aprovação pelo Conselho Nacional de
Política Energética.
COP30 e o caminho para a
transição energética
Com a COP no Brasil, a
expectativa do governo brasileiro é que o evento seja um marco para a definição
de metas concretas para a transição energética. Segundo a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, a COP30 servirá como ponte para reiterar o compromisso
de triplicar a energia renovável e duplicar a eficiência energética.
Apesar do distanciamento da
infraestrutura energética de Belém com a idealização de uma transição
energética justa, especialistas entendem que a escolha da cidade como sede para
o evento pode fomentar discussões necessárias para o desenvolvimento local.
Vinicius Silva, líder de projetos
do Iema, entende que o encontro é uma oportunidade para que pessoas que estão
envolvidas na discussão sobre mudanças climáticas entendam a realidade da
região.
“Eu acho que é importante levar
as pessoas à comunidade para estarem nesse território. Uma coisa é fazer uma
COP em Paris, em Nova York, em Lisboa, em Xangai, que são cidades super
desenvolvidas, para ficar discutindo a COP ali, sem ter uma noção do que é a
realidade da maior parcela da população”, pontua.




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