Perfil dos atiradores não mudava
muito: a maioria era composta por políticos ou simpatizantes da
extrema-direita, que tinham paixão por armas, gostavam de atirar e procuravam
por formas de adrenalina ‘sádica’
A Procuradoria de Milão abriu uma
investigação contra turistas italianos suspeitos de pagar até € 100 mil (cerca
de R$ 611 mil na cotação atual) para atirar em pessoas inocentes e crianças em
viagens de caça a um “safari humano” em Sarajevo, na década de
1990, em meio à Guerra
da Bósnia. De acordo com o jornal La Repubblica, todas as
sextas-feiras, os “turistas de guerra” percorriam cerca de 600 quilômetros entre
Trieste, no nordeste da Itália, e Sarajevo. Primeiro, eles voavam até Belgrado,
na Sérvia, pela companhia aérea Aviogenex. Depois, seguiam de helicóptero ou
por terra até as colinas da capital da Bósnia e Herzegovina, onde recebiam
armas e eram posicionados para atirar em civis. As “excursões” ocorreram entre
1993 e 1995 e custavam de € 80 mil (R$ 489 mil) a € 100 mil por pessoa – mas
aqueles que queriam atirar em crianças precisavam pagar um valor adicional. O
dinheiro era entregue a intermediários das milícias sérvias.
Segundo a reportagem, o perfil
dos atiradores não mudava muito: a maioria era composta por políticos ou
simpatizantes da extrema-direita, que tinham paixão por armas, gostavam de
atirar – fosse em estandes de tiros ou em viagens de caça – e procuravam por formas
de adrenalina “sádica”. Eles eram empresários, médicos e mercenários, com
idades entre 40 e 50 anos, que moravam nas regiões de Lombardia, Piemonte e
Triveneto
Os promotores e o Esquadrão de
Operações Especiais (ROS) dos Carabinieri – uma das quatro Forças Armadas da
Itália – já levantaram nomes de testemunhas que serão convocadas para depor.
Entre elas, está um ex-funcionário da agência de inteligência da Bósnia, que,
de acordo com o La Repubblica, já afirmou que o Serviço de Inteligência e
Segurança Militar (Sismi) da Itália foi alertado sobre a situação no início de
1994.
“Descobrimos que o safari partiu
de Trieste. Interrompemos e o safari não acontecerá mais”, respondeu a
corporação na época. O ex-agente disse que o assunto nunca mais foi retomada
entre as duas instituições.
Um oficial da Eslovênia, um
bombeiro e os pais de uma bebê de um ano que foi morta no “beco dos atiradores”
também devem ser ouvidos. O bombeiro depôs no julgamento do ex-presidente da
Sérvia, Slobodan
Milosevic, onde já havia citado os “atiradores turistas” com roupas e
armas que destoavam do contexto. “Sou treinado e sei reconhecer quando uma
criança que não conhece uma área é conduzida quase pela mão para dentro dela
por alguém que a conhece bem”, disse ele na época.
Alguns dos “turistas de guerra”
também já foram identificados. Um deles era dono de uma clínica particular em
Milão. Eles devem ser julgados por homicídio doloso agravado por crueldade e
motivos torpes. A história tem repercutido desde o lançamento do documentário
“Sarajevo Safari”, do diretor esloveno Miran Zupanic, que, em 2023, trouxe
histórias e depoimentos sobre esse período. Os acontecimentos também foram
denunciados pelo escritor Ezio Gavazzeni, com a ajuda do advogado Nicola
Brigida e do ex-juiz e advogado Guido Salvini.
Toda essa situação ocorreu em
meio ao cerco de Sarajevo, um dos capítulos mais sangrentos da Guerra da
Bósnia, que ocorreu entre 1992 e 1995 durante a dissolução da antiga Iugoslávia
(atual Sérvia). Segundo o La Repubblica, mais de 11 mil civis morreram –
destes, 1.601 eram crianças. O número de feridos é estimado em 60 mil.
JP

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