Formei-me em 1958 em Direito na FDUSP e desde o início da década de 60,quando cinco dos atuais Ministros ainda não tinham nascido, atuo perante a Suprema Corte.
À época, o Poder Judiciário só podia dizer se uma lei era ou não
constitucional, mas jamais elaborá-la e, mesmo no regime de exceção
(1964-1985), sempre assim agiu.
Sendo assim, a característica maior do STF era ser um Poder Técnico e,
portanto, um legislador negativo, em absoluta consonância com o previsto no
artigo 103, §2º da CF/88, de acordo com o qual nem nas ações diretas de
inconstitucionalidade por omissão poderiam os Ministros elaborar a lei, no
máximo podendo declarar sua omissão inconstitucional e pedir ao Legislativo
para fazê-la:
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar
efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providências necessárias (...).
Hoje, entretanto, a Suprema Corte adota uma linha diferente, atuando também
como legislador positivo e, até mesmo como corretor de rumos do Executivo,
legisla e administra. Segue, pois, linha doutrinária cujo nome varia de
neoconstitucionalismo, consequencialismo a jurisdição constitucional.
Significa dizer que, repetidas vezes, o STF tornou-se Poder Político,
legislando em matérias que deveriam ser exclusivamente do Congresso, como no
marco temporal, no aborto, na internet, casamento entre pessoas do mesmo sexo,
drogas, anencefalia, etc.
Ocorre que o Judiciário, por não representar o povo, mas apenas a lei, ao
exercer funções legislativas e administrativas, condena o país a ter 3 Poderes
políticos e não 2 políticos e 1 técnico, gerando, a meu ver, insegurança
jurídica, com eliminação do juiz natural, inquéritos intermináveis,
alargamentos do foro privilegiado para um universo de cidadãos comuns, o
estabelecimento de uma única instância sem via recursal, dificuldades
de acesso às acusações, banalização das prisões provisórias e preventivas.
Por esta razão, os Ministros só podem sair cercados de seguranças, recebendo do
povo o mesmo tratamento dos políticos, com apoio daqueles que representam a
linha por quem o STF demonstra preferência no cenário político e críticas
daqueles que não.
Lembro-me quando, nos 43 Simpósios de Direito Tributário que coordenei no
Centro de Extensão Universitária, sempre trazendo Ministros do STF, STJ e
desembargadores para palestrarem, que saia com os Ministros Moreira Alves,
Oscar Corrêa, Sydney Sanches, Cezar Peluso, Cordeiro Guerra e outros para
jantar, às vezes, andando sozinhos pela rua, sem necessidade de nenhum
segurança.
Com todo o respeito que os eminentes Ministros da Suprema Corte, que são
grandes juristas, merecem, entendo não ter sido tal atuação a vontade do
Constituinte claramente expressa em dizer que caberia ao Legislativo zelar por
sua competência normativa perante os Poderes Judiciário e Executivo:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da
atribuição normativa dos outros Poderes;
Nunca discuti o nível dos Ministros, sua idoneidade moral e competência, mas
permito-me, como um velho professor, divergir doutrinariamente da linha por
eles adotada, lembrando que minha palavra serve, no máximo, para reflexões
acadêmicas, enquanto que suas decisões têm força de lei.
No entanto,
no momento que, uma vez examinados o Poderes Judiciários de 142 países, ficamos
em 80º lugar no Rule of Law Index (Índice de Estado de Direito), publicado pelo
WJP (World Justice Project), creio que muito há para meditar.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades
Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de
Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da
Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das
Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis
(Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova
(Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal),
presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP, ex-presidente da
Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo
(Iasp).
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