As repetidas falhas na rede
eléctrica e um furacão que inundou o extremo leste da ilha deixaram muitos
cubanos saturados, representando um desafio para o governo comunista
No bairro onde Lidia Núñez Gómez
mora, em Havana, a energia voltou no domingo à noite – pela primeira vez desde
sexta-feira pela manhã –, por isso ela correu para pôr a panela elétrica em uso
e salvar as coxas de frango e o lombo de porco que o filho tinha mandado dos
EUA.
A carne é escassa, a eletricidade
com certeza cairia de novo dali a pouco, e a senhora de 81 anos não podia
deixar a comida estragar. A filha, Nilza Valdés Núñez, de 61 anos, revolta na
voz e lágrimas nos olhos, fez um balanço de meses de apagões, além da falta de
mantimentos e combustíveis.
Com um furacão castigando a costa
leste do país e um blecaute de quatro dias que deixou a ilha inteira no escuro,
ela resumiu os últimos dias com uma única expressão: “super-ruins”. “A falta de
energia, de gasolina e todos os outros problemas deixam a gente muito mal.”
Cuba, país comunista que há
tempos está acostumado a desabastecimentos de todo tipo e a um fornecimento de
energia intermitente, está em meio a uma crise tão grave que, segundo os
especialistas, pode explodir em comoção social a qualquer minuto. Comentários
sobre protestos de rua já começaram a pipocar e o presidente avisou que haverá
punição severa para quem promover a desordem.
Há meses, milhões de pessoas que
vêm encarando a falta de alimentos no comércio local também têm de lidar com
cortes de energia que duram horas, mas nunca o dia inteiro – até a semana
passada. Na sexta, 18 de outubro, pouco depois do anúncio oficial do
cancelamento de eventos culturais e das aulas de fim de semana na universidade para
economizar força, a queda assumiu proporções nacionais – o que acabou secando
as torneiras também, irritando muita gente que considerou a ocorrência uma gota
d’água intolerável.
O governo está penando para
retomar o serviço e driblar a insatisfação popular, considerada uma ameaça em
potencial à manutenção de seus membros no poder. De fato, desde o período
particularmente difícil do pós-colapso da União Soviética, nação que durante
muito tempo lhe garantiu assistência, a ilha não encarava tantas dificuldades
ao mesmo tempo.
Tanto que, nos últimos anos, a
emigração atingiu níveis históricos, refletindo a falta de esperança geral.
Segundo os analistas, a ameaça de levante é real, o que provavelmente poderia
resultar em medidas repressoras e desrespeito aos direitos humanos. De acordo
com as estimativas, quase dois milhões – o que corresponde a cerca de 20% da
população – saíram do país nos últimos dois anos, comprometendo a força de
trabalho. “Está um caos. É a única descrição possível para a situação atual. Quem
estava só pensando em ir embora já está se apressando agora. É comum já ouvir o
pessoal falando que vai vender a casa para partir”, afirma o economista cubano
Omar Everleny.
A energia foi restaurada na maior
parte da capital Havana, na segunda, dia 21, mas as autoridades suspenderam as
aulas até quarta para tentar economizar. Para evitar que um apagão comprometa o
fornecimento de toda a ilha, a rede elétrica está sendo dividida em unidades
menores.
Para os governantes, a culpa da
crise energética é do embargo comercial imposto pelos EUA e da enxurrada de
sanções promovidas durante a administração de Trump, restringindo drasticamente
seu fluxo de caixa. O Departamento do Tesouro dos EUA dificulta a chegada dos
petroleiros a Cuba, o que força um aumento nos preços dos combustíveis, já que
o país conta com um número limitado de fornecedores.
Para piorar, as hidrelétricas têm
quase 50 anos, e o governo vem adiando medidas de manutenção e atualizações
essenciais, o que leva a rede a operar com uma infraestrutura antiquada,
decrépita e pouco confiável. A falta de combustível só fez agravar o problema.
“O país está enfrentando uma situação excepcional, marcada principalmente por
dois eventos complexos: a emergência energética e o alarme de ciclone nas
províncias do leste”, anunciou o presidente Miguel Díaz-Canel Bermúdez.
Apesar de reconhecer a gravidade
da situação, ele divulgou uma ameaça explícita quando algumas pessoas em Havana
ensaiaram um protesto público, prometendo que elas seriam processadas de acordo
com o rigor da lei. “Não aceitaremos nem permitiremos que ninguém provoque atos
de vandalismo, muito menos que perturbe a harmonia civil do nosso povo. Essa é
nossa convicção, e também um dos princípios de nossa revolução.”
Os apagões e as dificuldades geradas
pela pandemia desencadearam os protestos de 2021, que levaram milhares às ruas
e resultaram na prisão de centenas. Muitos jovens, insatisfeitos, saíram do
país desde então, o que acabou proporcionando um respiro para o governo – pois,
além de representar a saída de milhões de descontentes, implicou a remessa de
dinheiro para os familiares, impedindo um colapso econômico total. Para
completar, muitos dissidentes, ativistas e jornalistas independentes que
criticaram o governo abertamente foram forçados ao exílio.
Segundo Ted Henken, especialista
em Cuba da Faculdade Baruch de Nova York, a maioria dos cubanos prefere ir
embora a se manifestar no coletivo. “Principalmente porque o governo já deixou
bem clara sua intenção de usar da violência para reprimir e prender mesmo quem
se manifestar pacificamente ou apenas postar nas redes sociais.”
No fim de semana, toda vez que
Lázaro Manuel Alonso, jornalista de uma agência estatal, publicava uma
atualização otimista sobre o progresso da restauração da energia, recebia
reações de todas as partes do país de pessoas que faziam questão de informar
que ainda estavam no escuro: “Em Pinar já completamos 80 horas; desesperador”,
um usuário do Facebook escreveu. “Em Santo Suárez já faz 72 horas, sem contar
que também não tem água”, informou outro. “Estamos sem poder sair de Alamar”,
anunciou o terceiro.
Na região oriental, áreas que
nunca tinham inundado antes ficaram sob quase um metro d’água depois da
passagem do furacão Oscar, que, segundo informações oficiais, atingiu a ilha no
domingo. Cerca de 15 mil pessoas tiveram de ser retiradas de Imías e uma cidade
vizinha. Em Baracoa e Maisí, na província de Guantánamo, mais de 1.700 casas
ficaram com o telhado comprometido, e em outras tantas dezenas chegou a desabar
parcialmente. As plantações de café também ficaram prejudicadas.
Sebastián A. Arcos, diretor
interino do Instituto de Pesquisa Cubano da Universidade Internacional da
Flórida, em Miami, que deixou o país em 1992 depois de passar um ano preso por
tentar fugir, desaconselhou as especulações sobre o efeito dos problemas
acumulados como ameaça ao futuro da revolução cubana. “Eu mesmo tinha certeza
de que o governo entraria em colapso depois da queda da União Soviética. Isso
foi há mais de 30 anos.”
E completou: “Díaz-Canel assumiu
em 2019, mas o ex-presidente Raúl Castro é um marxista ferrenho que, ao lado do
irmão Fidel, liderou a revolução que tomou o poder em 1959, e ainda exerce
grande influência. Este é um momento crítico, que reflete o colapso dramático
da economia depois de 65 anos de má gestão do regime.”
Ed Augustin e Frances Robles,
do The New York Times
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