Abaixo, a íntegra do texto enviado pelas advogadas Gleyce Kelly Mello dos Santos e Andreza Mendes Quaresma:
"Depois de sua prisão em
flagrante, em 9 de dezembro de 2020, acusado de golpes em hotéis de luxo, junto
de seu então namorado e produtor Jhony de Sousa Oliveira, o diretor de cinema
Aaron Salles Torres sequer chegou a se tornar réu em processo algum. A Justiça
determinou em novembro do ano passado a extinção da punibilidade do cineasta e
de Jhony. O inquérito por estelionato foi extinto e o referente a
associação criminosa foi arquivado pela Justiça, por recomendação do
próprio Ministério Público estadual, por falta de mínimos indícios do
envolvimento de Aaron e de Jhony em qualquer esquema.
Para Aaron, a decisão judicial em
seu favor não é minimamente suficiente para reparar os danos morais,
emocionais e profissionais causados pela divulgação de fake news, em meios
de comunicação de massa, com a sua imagem vinculada a suposto
envolvimento em crimes. Aaron foi levado por policiais civis à 13ª DP
(Copacabana) ao tentar dar entrada no Santa Teresa M. Gallery, hotel da Rede Accor,
após as reservas providenciadas pelo operador de viagens Edivaldo de
Oliveira da Silva. Estranhamente, o operador não chegou a ser ao menos
citado em reportagens e nem investigado no inquérito.
O diretor de cinema, que morava
em São Paulo na época, estava no Rio para gravar um filme de propaganda
de joias para o diretor da MTV-EUA Max Joseph, estrelado pela atriz
Thayla Ayala.
Aaron e Jhony foram acusados do
suposto uso de cartões clonados para pagar estadia no Hotel Fairmont, em
Copacabana, entre o Réveillon e 12 de janeiro de 2020, e desde então
estariam sendo monitorados pela polícia carioca. Aaron sequer passou, no
entanto, aquele Réveillon no Rio de Janeiro, mas, sim, em Mato Grosso do
Sul com a sua família, de onde voou em 2 de janeiro de 2020 para São
Paulo, onde cumpriu obrigações profissionais como diretor da série
Noturnos, do Canal Brasil, que trouxe no elenco a atriz Marjorie
Estiano.
Aaron e Jhony permaneceram presos
durante três dias, sem contato com a família ou com advogados, período no
qual ambos sofreram tortura psicológica, ameaças à integridade física e
agressões verbais. Ambos foram obrigados, por exemplo, a desfilar algemados,
sob a mira de um fuzil, numa simulação do momento da prisão. Essa cena
foi transmitida diversas vezes no noticiário da RecordTV. Aaron jamais
recebeu, no entanto, voz de prisão, o que é inconstitucional. Chegou à
delegacia sem algemas e na condição de acompanhante, apesar de terem
retirado os seus documentos, cartões, laptop e celular ainda no hotel. Os
eletrônicos foram devolvidos em janeiro deste ano, por ordem judicial. No
presídio de Benfica, os policiais incitaram dezenas de homens a
estuprá-los, por serem LGBTQIA+, mas o cineasta e seu produtor foram
respeitados pelos detentos.
Quando a Justiça determinou a sua
soltura, Aaron se deparou com a forte repercussão social das notícias
sobre o caso em diversos veículos impressos e digitais, de rádio e TV, da
imprensa tradicional e da sensacionalista, assim como de blogueiros
bolsonaristas. Os textos foram ilustrados com fotos replicadas de seu
próprio perfil nas redes sociais. As fotos foram usadas fora de seu
contexto, pois se referiam à prestação de serviços de divulgação (#publi) de
destinos turísticos e hotéis rústicos pelo Brasil, em Bonito, Chapada dos
Veadeiros, Lençóis Maranhenses, Ilha Bela, entre outros. Nesses casos,
como de praxe, o cineasta não pagou pela hospedagem nos locais cuja
imagem promoveu a trabalho.
A maioria dos veículos reproduziu
o conteúdo da primeira publicação sobre o assunto, na revista Época, em
texto assinado pela jornalista Paolla Serra (Paolla da Silva Serra), no dia
11 de dezembro de 2020. Aaron nunca chegou a ser ouvido pela imprensa, e
nem os seus advogados, embora em alguns veículos tenha constado a
informação falsa de que teria sido procurado por jornalistas e até dado
declarações. Embora em algumas reportagens a delegada Natacha Alves de
Oliveira tenha afirmado que Aaron e Jhony prestaram depoimento, isso não
ocorreu de fato. O que houve foi um interrogatório ilegal, sem a presença de
advogados ou da própria delegada, e que durou sete horas
ininterruptas.
Duas horas após o início do
interrogatório, Aaron e Jhony ouviram um inspetor, em telefonema, dizer
em tom de entusiasmo: “Doutora, doutora, estamos com a rainha aqui. Podemos
soltar a resenha? Podemos soltar a resenha?”. Isso fez Aaron concluir que
era ele o alvo central da operação policial no hotel da Rede Accor, que
nunca chegou a representar contra o cineasta.
Entre as suspeitas relacionadas à
motivação de tal operação, o ex-diretor do humorístico Vai que Cola, da
TV Globo/ Multishow acredita que possa ter se tornado objeto de uma
perseguição política por parte de setores organizados na extrema direita,
em função de seu forte ativismo contra o presidente Bolsonaro e em defesa
da democracia, nas redes sociais.
Sem até hoje ter tido a
oportunidade de poder falar sobre a prisão e as suas circunstâncias,
diante da recusa de diversos veículos em publicar a verdadeira história, Aaron
decidiu escrever um livro inspirado em sua experiência e que em breve
será lançado. Neste momento, o cineasta, em função de sua dolorosa
experiência, dedica-se a lutar pelo seu direito a ter a sua dignidade
restabelecida.
Mesmo após a Justiça ter
reconhecido a falta absoluta de provas em relação às acusações feitas,
Aaron continua a enfrentar um ambiente de suspeição, sob o argumento de que ele
não teria sido declarado inocente. Para o advogado criminalista Frederico
Donati Barbosa, que defendeu Aaron no caso, tal interpretação representa
inegável inversão de um dos valores fundamentais do ordenamento
constitucional brasileiro: a presunção da inocência.
Gleyce Kelly Mello dos Santos.
Advogada OAB/RJ 219.936
Andreza Mendes
Quaresma. Advogada OAB/RJ 219.751
Jornal da Cidade Online
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