© RAUL ARBOLEDA (AFP) Imigrantes venezuelanos que procuram voltar a seu país, em um acampamento improvisado em Bogotá. |
A cena, com
algumas variações, se repetiu nos últimos meses em várias
cidades da Colômbia. Centenas de venezuelanos empurrados por suas limitadas opções de sobrevivência em meio à pandemia,
muitos com crianças nos braços, permaneciam neste fim de semana em um
acampamento improvisado às margens da rodovia norte, uma das vias de acesso a
Bogotá, com a esperança de pegar um ônibus que os leve até a fronteiriça
Cúcuta, a mais de 500 quilômetros de distância, e dali poder cruzar para a
Venezuela. Desde esta segunda-feira, eles enfrentam obstáculos adicionais em
sua improvável jornada, já que o Governo
de Nicolás Maduro impôs novas restrições ao retorno de seus cidadãos.
Com o avanço da
quarentena, o líder chavista mudou seu discurso “de braços abertos” aos
emigrantes que, às dezenas de milhares, começaram a refazer seus passos quando
a crise da covid rompeu sua precária estabilidade nos
lugares aonde tinham ido para escapar da hiperinflação, escassez e insegurança.
“Eles retornam fugindo da xenofobia nesses países”, insistiu Maduro, na
tentativa de capitalizar o retorno, depois que seu Governo produziu um êxodo em
massa. Agora, na narrativa chavista, fala deles como “armas biológicas”. Na
parte diária dos casos confirmados, as autoridades destacam que a maioria deles
são “importados” da Colômbia e do Brasil. Maduro chegou a afirmar que o presidente
da Colômbia, Iván Duque, envia “pessoas contaminadas” para a Venezuela, mas
neste domingo foi um passo além.
“Digo a toda
a Venezuela que
não aceitemos pessoas que tenham andado pelas trilhas e burlado os controles
sanitários para voltar para sua casa”, disse ele na televisão. "Todo o
esforço que fizemos, e para que uma pessoa por capricho e irresponsabilidade
acabe contaminando sua família. Peço ajuda a todos os governadores e ao povo.
Se você tem um vizinho, chame a polícia, as Forças Armadas, o hospital de
prontidão mais próximo para que possamos buscar essa pessoa.”
A Colômbia soma mais de 1.200 mortes associadas à covid
e beira 40.000 casos detectados. A Venezuela, com baixa capacidade de
diagnóstico, registra oficialmente 2.377 casos e 22 mortes.
Essa guinada
com contornos discriminatórios complica a já delicada situação dos emigrantes. As relações entre Bogotá
e Caracas estão interrompidas há mais de um ano. Duque classifica Maduro como
um “ditador”. Seu apoio irrestrito a Juan Guaidó, que ele reconhece como
presidente interino, aumentou a tensão entre dois Governos permanentemente em confronto.
No entanto, apesar de a Colômbia manter suas fronteiras fechadas desde março,
como parte dos esforços para conter o vírus, as autoridades migratórias abriram
corredores humanitários ao longo de uma linha de fronteira porosa de mais de
2.200 quilômetros. Desde os departamentos colombianos de Norte de Santander,
Arauca e, em menor medida, La Guajira —onde a travessia é esporádica—era
permitida a passagem de mais de 500 repatriados por dia.
© Mauricio
Duenas Castañeda (EFE) Cidadãos venezuelanos
em um acampamento improvisado à margem de uma
rodovia
em Bogotá.
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Mas Maduro
decidiu impor novas barreiras nesta semana, ao reduzir os números autorizados a
entrar. Primeiro, limitou a três dias por semana a passagem a partir de Arauca
pela Ponte Internacional José Antonio Paéz e, desde esta segunda-feira, faz o
mesmo com a Ponte Internacional Simón Bolívar, a principal passagem de
fronteira, entre o Norte de Santander e o Estado de Táchira. O trânsito de
pessoas só será permitido às segundas, quartas e sextas-feiras, em grupos de no
máximo 300 pessoas, em Norte de Santander, e cem, em Arauca.
Essas
restrições implicam uma redução de quase 80% no retorno dos venezuelanos, de acordo com os cálculos
da Migração Colômbia (agência do Governo), o que representa novas dificuldades
na gestão do atendimento aos imigrantes que em várias cidades solicitam ajuda
para retornar. Evitar aglomerações que possam resultar em focos de contágio no
Norte de Santander e Arauca continua sendo uma preocupação. “Teremos que tomar
as decisões adequadas que nos permitam garantir o direito de migrar, mas também
uma proteção de saúde para a população venezuelana que reside no país, bem como
para a população em trânsito", disse Juan Francisco Espinosa, diretor da
Migração Colômbia.
A pandemia
retratou com crueza a situação precária dos imigrantes e refugiados venezuelanos espalhados por toda a América Latina.
A Colômbia, de longe o principal destino de uma diáspora que já ultrapassa
cinco milhões de pessoas em todo o mundo, atualizou seus números oficiais no
mês passado. No final de março, quando a quarentena nacional já estava em
vigor, a Colômbia abrigava 1.809.000 cidadãos venezuelanos, uma ligeira queda
de 0,9% em relação a fevereiro. É a primeira vez em cinco anos que a população
de imigrante diminui. No entanto, um relatório recente da Human Rights Watch
(HRW) aponta na direção oposta, ao observar que o avanço da pandemia na
Venezuela pode “fazer com que mais pessoas tentem deixar o país”.
Durante a crise
da saúde, mais de 71.000 venezuelanos retornaram voluntariamente a seu país em
quase mil ônibus coordenados com prefeituras e Governos, que os levaram à
fronteira, partindo de diferentes partes da Colômbia. As medidas de
confinamento os impedem de ganhar a vida nas cidades onde encontraram refúgio e
muitos foram desalojados de suas moradias. A situação tende a piorar. De acordo
com todas as projeções, nos principais países anfitriões, onde os venezuelanos
costumam alimentar as fileiras da informalidade, a pobreza e o desemprego
aumentarão. O Governo de Duque reiterou em várias ocasiões que não fomenta
esses retornos, mas deve ser respeitado o seu direito de voltar para seu país
mesmo no meio das quarentenas e em meio ao fechamento das fronteiras.
Florantonia
Singer,Santiago Torrado
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