A antiga sede do Partido Comunista em Bucareste, onde aconteceu
a revolução. Roberto Ghement / EPA - EFE - 22.12.2019
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Entre 16 e 25
de dezembro de 1989, um enorme movimento popular tirou do poder o ditador
Nicolae Ceausescu, que governava o país desde 1965
Nenhum romeno
nascido na democracia pode imaginar um racionamento de comida, ser detido por
protestar contra o governo ou não poder viajar ao exterior. O que hoje é
impensável era comum na Romênia há 30 anos, quando a coragem de milhares de
pessoas acabou com o totalitarismo comunista no país balcânico.
No Natal de
1989, uma revolta cidadã apoiada pelo exército pôs fim ao reinado de miséria de
Nicolae e Elena Ceausescu, levando ao fim da Cortina de Ferro. Aqueles
revolucionários anônimos contam como viveram os dias de tanques e barricadas
pelas ruas de Bucareste.
De Timisoara
a Bucareste
Tudo começou em
16 de dezembro, cinco semanas depois da queda do Muro de Berlim, na cidade de
Timisoara, no oeste da Romênia, com uma concentração em apoio a um pastor de
origem húngara, punido pelo governo. Em poucos dias, se transformou em um
protesto inédito, que unia toda a frustração acumulada durante décadas de
repressão e privações.
O regime, um
dos mais repressivos e paranoicos do bloco soviético, respondeu matando dezenas
de pessoas a tiros. No entanto, o banho de sangue não teve o efeito esperado
pelo governo. Os protestos se espalharam por outras cidades e chegaram a
Bucareste em 21 de dezembro.
Nesse dia, o
próprio Ceausescu, que estava no poder desde 1965, tinha convocado um grande
ato de adesão e a massa, normalmente obediente, se alvoroçou no meio de seu
discurso.
Os tanques tomaram Bucareste em dezembro de 1989
Andrei Iliescu / EPA - EFE - Arquivo
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O ditador teve
de deixar a varanda do Comitê Central do Partido Comunista Romeno (PCR), depois
de pedir, incrédulo e em vão, que a multidão fizesse silêncio. O momento foi
registrado até mesmo pela televisão oficial romena.
Em seguida, os
tanques tomaram uma Bucareste cinza e sem carros, mas os protestos continuaram
em sua principal avenida, onde logo chegou Radu Filipescu, um engenheiro que
tinha 32 anos na época.
Filipescu tinha
estado preso por compartilhar panfletos subversivos. Agentes da temida Securitate,
a polícia secreta, o seguiam dia e noite para onde quer que ele fosse.
"As
pessoas estavam concentradas na praça Romana, frente a frente com os soldados e
a Securitate", relembra.
"Eu também
queria gritar, mas as palavras não saíam", conta. "Começava em voz
baixa: abaixo Ceausescu, abaixo Ceausescu, abaixo Ceausescu, abaixo o
comunismo, mas em um dado momento você podia gritar com todas as forças. Foi
uma catarse, uma libertação total."
A barricada
do Hotel Intercontinental
Perto da praça
Romana está a praça da Universidade. Ali, diante do Hotel Intercontinental, os
manifestantes ergueram uma barricada para se proteger dos soldados.
Um dos
manifestantes era Mihai Alexe, que trabalhava como eletricista no metrô da
capital. "Vim com colegas de trabalho assim que soube da revolta contra
Ceausescu", lembra.
Antes de
meia-noite começaram as prisões. "O que você quer, capitalismo?",
perguntou um dos agentes quando o levou.
Alexe, hoje com
51 anos, acabou desfigurado e com "um olho fora do lugar" na prisão
de Jilava, ao sul de Bucareste, onde também foi parar Nicoleta Giurcanu. Com 14
anos, tinha ido à praça da Universidade com seu pai e seu irmão.
Entre gritos de
"liberdade" e o zunido das balas, a família foi obrigada a marchar
até uma delegacia, rapidamente e olhando para o chão, por policiais que lhes
apontavam armas. "A rua fervia, estavam caçando manifestantes", conta
Giurcanu, 30 anos depois.
Ceausescu
foge de helicóptero
Com as prisões
e necrotérios cheios e diante da invasão de manifestantes no prédio do Comitê
Central, Nicolae e Ele Ceausescu fugiram do local num helicóptero em 22 de
dezembro, em meio a uma imensa comemoração.
"Entrei no
prédio por uma janela", relata Doru Maries, que na época era jogador
profissional. Depois de ver que a guarda de Ceausescu não oferecia resistência,
ele subiu até o terraço e viu a multidão que gritava "liberdade,
liberdade". Cobria completamente a praça até onde a vista chegava.
"Parecia que estava subindo para o céu", relembra ele, aos 57 anos.
Ceaucescu governou a Romênia de 1965 a 1989
Robert Ghement / EPA - EFE - arquivo
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O helicóptero
dos Ceausescu teve que pousar perto de Targoviste, cerca de 80 km a noroeste de
Bucareste. Ali, foram presos por uma unidade do exército que acabava de se
juntar à revolta.
Enquanto isso,
na sede da televisão, começaram a se congregar revolucionários para anunciar
sua vitória ao vivo. Ali entrou em cena o homem que iria liderar a transição
como novo presidente da Romênia, Ion Iliescu.
"Ele fez
um discurso muito promissor e propôs que nos reuníssemos todos os dias às 17h
no Comitê Central", relata Gelu Voican Voiculescu, que estava
presente na reunião e que depois seria vice-primeiro-ministro do país.
Iliescu,
veterano comunista que era crítico de Ceausescu e um dos membros mais
respeitados do PCR, saiu de tarde ao balcão do Comitê Central em Bucareste.
"O processo é irreversíbel", proclamou, acompanhado pelo chefe do
Estado Maior do Exército. "O exército está conosco", cantava a
multidão.
Atiradores e
terroristas
Mesmo após a
prisão dos Ceausescu, atiradores de elite anônimos continuavam matando
manifestantes.
Segundo a
versão mais aceita, os chamados "terroristas" eram tropas especiais
de Ceausescu e seguiam um plano clandestino de luta para o caso do regime ser
atacado.
Iliescu e o
Conselho da Frente de Salvação Nacional (CFSN), com o qual tomou o poder, nunca
esclareceram os acontecimentos desde então. Iliescu, hoje com 89 anos, e
Voican, 78, foram acusados de crimes contra a humanidade no processo por
aqueles acontecimentos.
Segundo o
Ministério Público, o CFSN criou um ambiente de "psicose" em torno
dos supostos "terroristas", com mentiras divulgadas na televisão e
ordens militares contraditória, o que gerou diversas situações de fogo amigo e
caos, que teriam ajudado o grupo a se consolidar no poder.
Voican rejeita
as acusações e chama de "simplista" o posicionamento do Ministério
Público romeno. O antigo preso político relembra que o CFSN chegou ao consenso
de que o ditador "deveria ser suprimido" para que os
"terroristas" que ainda resistiam à mudança de regime parassem com
seus atos.
"Ceausescu
tinha de morrer"
No dia de Natal
os Ceausescu foram julgados em um quartinho frio na base de Targoviste, onde
estavam presos.
O promotor do
processo sumário foi Dan Voinea, que tinha 39 anos. "A figura jurídica foi
crimes contra a humanidade, e para eles a sentença era a morte", relembra
o ex-promotor militar. "Para que os atiradores parassem e não morresse
mais gente, Ceausescu tinha de morrer."
Trinta anos
depois, Voinea se lembra perfeitamente da execução que presenciou.
"Colocaram os dois contra um muro e os soldados abriram fogo. Creio que
Elena desmaiou porque ela já tinha caído quando foi atingida e Nicolae foi
atingido primeiro nos joelhos porque tentou pular", conta.
"Depois do
anúncio da morte, ninguém mais morreu na Romênia", afirma Voican, que
considera o fato como uma prova de que os "terroristas" eram tropas
especiais que seguiam o plano de luta de Ceausescu.
Mais de 1.100
vítimas
Entre 16 e 25
de dezembro de 1989, mais de 1.100 foram mortas na Romênia, em sua maioria
jovens que estavam nas ruas para lutar por um futuro livre e próspero.
Jovens como
Nelu Olteanu, que morreu na quarta-feira, 22 de dezembro. "Pedimos que ele
não fosse, mas ele saiu de casa assim mesmo", conta sua mãe, Maria
Olteanu, junto à sua lápide no Cemitério dos Heróis da Revolução de Bucareste.
"Nós o
encontramos na manhã de domingo (26 de dezembro) no necrotério do Hospital de
Urgências", lembra ela, entre lágrimas. Ele foi um dos muitos romenos que
não puderam viver a normalidade pela qual se sacrificaram.
Da EFE
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