Autoproclamado
presidente da Venezuela, Juan Guaidó, fala durante
reunião com estudantes em universidade de
Caracas, na sexta-feira (8)
Foto: Ariana
Cubillos/ AP
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'Isso me
preocupa porque pode gerar uma desilusão catastrófica', diz publicitário
brasileiro que vive em Caracas, que vê um situação ainda totalmente indefinida
no país vizinho. Oposição convocou novos protestos para esta terça (12).
Brasileiros que
vivem na Venezuela ouvidos
pelo G1observam que parte da população do país passa por uma onda
de euforia e de esperança depois que o líder da oposição e presidente da
Assembleia Nacional, Juan
Guaidó, se autodeclarou presidente interino e prometeu organizar
eleições gerais.
Nesta
terça-feira (12), os venezuelanos insatisfeitos com o rumo do regime de Nicolás Maduro devem
voltar às ruas atendendo a uma nova convocação de Guaidó. Os opositores querem
incentivar os militares a permitir a entrada da ajuda
humanitária internacional que está parada na Colômbia após a ponte
fronteiriça de Tienditas ser bloqueada.
Para o
publicitário brasileiro Bobby Coimbra, que vive há 30 anos na Venezuela, o país
vive um clima de euforia que não tem sentido uma vez que enfrenta uma “total
indefinição” da situação política.
“Está todo
mundo eufórico, esperançoso. Já tem gente fazendo planos para o dia que
montarem um novo governo. Mas para mim é uma alegria completamente sem sentido,
porque estamos vivendo uma situação de total indefinição. Isso me preocupa um
pouco, porque pode gerar uma desilusão, que é catastrófica”, afirma.
Guaidó
se autodeclarou presidente em 23 de janeiro durante uma grande
manifestação em Caracas e pegou a própria
oposição de surpresa.
A iniciativa
ganhou o apoio
de mais de 40 países, entre eles, os Estados Unidos, Brasil e nações europeias,
e trouxe um novo ânimo para oposição, que viu nos últimos meses Maduro ser
reeleito em um processo eleitoral contestado e tomar posse para mais um
mandato.
Maduro
se diz vítima de uma tentativa de golpe articulada pelos Estados Unidos e
considera a oferta de ajuda humanitária uma “invasão estrangeira”.
Além da crise
política, a Venezuela enfrenta uma grave crise econômica, que dificulta o
abastecimento nos supermercados e farmácias. Em 2018, a inflação
em 12 meses chegou a 2.500.000%, segundo a Assembleia Nacional
venezuelana. A ONU estima que mais
de dois milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos três anos.
O
publicitário brasileiro Bobby Coimbra em seu escritório
em Caracas — Foto: Arquivo Pessoal/Bobby
Coimbra
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'Inusitado'
“É algo
inusitado. É um país que tem duas supremas cortes de justiça, duas assembleias
e agora dois presidentes, mas é um país que continua supostamente caminhando.
Não acredito que exista uma situação similar em algum lugar do mundo”, observa
o publicitário.
Embora Guaidó
tenha se declarado presidente, o comandante de fato do país segue sendo Nicolás
Maduro, que conta com o apoio das Forças Armadas, e se recusa a atender o
clamor internacional por eleições presidenciais.
Quando fala em
“duas supremas cortes”, o empresário faz referência à Suprema Corte no Exílio,
criada pelo Parlamento, em oposição ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que é
acusado de servir aos interesses chavistas.
O país também
conta teoricamente com duas assembleias. Em uma manobra de Maduro para driblar
as ações da Assembleia Nacional, que desde de 2016 é controlado pela oposição,
em 2017 a Assembleia Constituinte, formada por chavistas, assumiu os poderes
legislativos.
'Salvador da
Pátria'
Guaidó aparece
como uma figura nova no espectro político venezuelano, embora tenha sido eleito
presidente da Assembleia Nacional no início de 2019.
Coimbra avalia
que, em um certo momento, a oposição tinha o mesmo nível de rejeição do
governo.
“Ninguém mais
aguentava aqueles discursos desgastados. Então, surge uma pessoa nova, que tem
o seu carisma, é bonito, tem uma bonita esposa - aquele estereótipo que agrada
a muitos venezuelanos. Esse jovem fez surgir uma esperança, uma alegria”,
observa.
Para a brasileira
Patrícia*, que se mudou a Caracas com o marido e dois filhos devido a uma
oportunidade profissional, ele é visto por parte dos venezuelanos como “se
fosse o salvador da pátria”.
“Ele
apareceu do nada, em 20 dias já fez muita coisa e já conseguiu o apoio
internacional. E muitos venezuelanos estão eufóricos, porque acreditam que vai
ter mudança”, afirma.
Manifestações
pacíficas
Os dois
brasileiros também observaram uma redução nos confrontos durante as
manifestações populares com relação àquelas ocorridas em 2017.
“Aquela
agressividade policial que a gente via, caminhões atirando água, policiais
jogando bombas de gás lacrimogêneo, que fazia a gente sair do escritório usando
máscara, isso não ocorreu mais”, afirma o empresário.
Venezuela
tem dia de manifestações contra e a favor de Maduro.
Na imagem,
opositores ao governo chavista se reúnem em Caracas
Foto: AP Photo/Fernando Llano
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Coimbra
observou que, na semana passada, manifestantes não tentaram invadir a base
militar que fica em frente ao seu escritório, como sempre ocorria em 2017, e as
forças de segurança também tiveram uma participação discreta durante o
protesto. “Parece que existe um acordo tácito entre as duas partes: eu não
invado, mas você também não me agride”, afirma.
Patrícia também
disse ter percebido que as pessoas não estão com medo de se manifestar e que as
forças de segurança demonstram maior tolerância.
“O clima está
muito melhor do que em 2017, quando eu cheguei a sair do país. Os militares
estão deixando os manifestantes passarem tranquilamente. Houve uma mudança por
parte dos militares”, afirma.
À noite, depois
dos protestos da semana passada, houve relatos de violência nos bairros pobres
da periferia de Caracas -- tradicionais redutos chavistas.
A brasileira
afirma que aparentemente o conflito foi provocado porque nessas regiões algumas
pessoas teriam passado a apoiar Guaidó e entrado em confronto com os vizinhos.
Situação
limite
Do ponto de
vista de Coimbra e Patrícia, a situação política na Venezuela chegou a um
limite e deve haver alguma mudança, embora ainda seja cedo para prever os
próximos capítulos da tensa situação política venezuelana.
“Está todo
mundo na expectativa. Para mim, vai haver uma mudança logo mesmo. Eu acho que o
chavismo não vai resistir, porque a pressão está muito forte. Se tentarem uma
nova eleição, eu acho que eles vão tentar fazer com que seja fraudulenta, mas
acho que a presença internacional não vai deixar”, afirma Patrícia.
O publicitário
Coimbra avalia que a vida política do país pode seguir dois rumos.
“Chegamos a um limite. Ou haverá o
endurecimento do regime e vamos ter ‘uma Coreia do Norte’ aqui na América do
Sul ou teremos um regresso àquela democracia que a gente está sempre buscando”,
diz.
Face às
especulações de que os Estados Unidos poderiam intervir militarmente no país,
os brasileiros afirmam que o medo de um confronto violento está muito presente.
“Todo mundo
teme um confronto até porque Maduro tem o apoio da Rússia. Volta e meia você
escuta falar que tem um avião russo, um navio russo no Caribe. Ninguém sabe.
Está todo mundo na expectativa do que vai acontecer”, conta Patrícia.
“Existe a possibilidade de a Venezuela ser
invadida. Do meu ponto de vista otimista, seria menos preocupante se houvesse
uma revolta interna –- mesmo que ela recebesse apoio de outros países— porque
se trataria de os venezuelanos resolvendo seus problemas internamente. Seria
menos traumático”, afirma Coimbra.
Coimbra
gostaria que tudo fosse resolvido através do diálogo, mas reconhece que acha
“quase impossível” que isso aconteça.
“Aqui não se
admite intercâmbio de opiniões. Eu tenho a minha opinião e se você não
concordar comigo não pode fazer parte do meu grupo de amigos. É o país da
intransigência. Como pode o governo dialogar com a oposição se a própria
sociedade não se dá ao luxo de poder conversar?”, indaga.
Por Letícia Macedo, G1
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