© Alexei
Nikolsky/Kremlin via REUTERS Putin enfrenta
um momento
de relatividade dificuldade no governo russo
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O incidente
envolvendo os navios ucranianos no Estreito de Kerch, hoje controlado pela
Rússia, é mais um perigoso capítulo da crise entre os dois países que há quase
cinco anos ameaça a estabilidade no leste europeu.
No domingo,
três navios da marinha da Ucrânia entraram em águas territoriais russas e
realizaram manobras durante algumas horas, sendo então atacados pela frota
russa. Três militares ucranianos ficaram feridos, e os navios foram retidos
pelos russos.
A história de
desentendimentos entre Rússia e Ucrânia no Mar de Azov, onde fica o estreito,
vem de muito antes da revolução que derrubou o então presidente ucraniano
Viktor Yanukovich e abriu uma crise sem precedentes entre os dois países, em
2014.
Já em 2003 o
foco do desentendimento era uma ilha, Tuzla, que fica no estreito de Kerch. A
questão foi resolvida com um acordo que, dentre outros pontos, estabelecia que
embarcações russas e ucranianas possuíam liberdade de navegação na área. O
texto ainda está em vigor – e suas regras seguiram sendo observadas mesmo
depois da anexação da Crimeia pela Rússia.
A situação
começou a mudar depois da construção da ponte no estreito de Kerch, criando uma
ligação terrestre entre a Crimeia e a Rússia continental. O governo da Ucrânia
considera a obra ilegal e recebeu o apoio de grande parte da comunidade
internacional.
Além da questão
diplomática, uma questão prática deixou os ucranianos preocupados.
Com um vão
central de 35 metros de altura, a nova ponte limitava a passagem de parte das
embarcações com destino ao porto de Mariupol, de onde é escoada boa parte da
produção metalúrgica do ucraniana. Além disso, os russos passaram a exigir que
todos os navios que passassem pela área pedissem autorização prévia e se
submetessem a uma inspeção.
Segundo relatos
de autoridades ucranianas, algumas destas varreduras chegavam reter os navios
por dias. Os russos se defendem dizendo que é apenas uma medida de segurança,
para evitar ataques contra a ponte.
No incidente do
domingo, os dois lados insistem ter razão. Os ucranianos dizem que cumpriram as
exigências das autoridades russas, avisando com antecedência sobre a passagem
dos navios por Kerch. A Rússia diz que nunca recebeu qualquer aviso e que a
área estava temporariamente fechada para navegação.
A resposta
ucraniana foi imediata e surpreendeu pela força. O presidente Petro Poroshenko
decretou a lei marcial no país, uma medida que não foi adotada nem durante os
piores dias do conflito em Donetsk ou depois da anexação da Crimeia. O governo
diz que a situação é crítica – e que age para defender os interesses do povo
ucraniano.
Em vigor a
partir desta terça-feira, a lei marcial permite que o governo convoque civis
para o serviço militar, que institua toque de recolher, restrinja a livre
movimentação de pessoas e conduza inspeções e checagem de documentos. Ou seja,
em caso eventual de agressão russa, a Ucrânia, em tese, conseguiria se
mobilizar mais rapidamente para reagir.
À priori, a lei
vale pelos próximos 30 dias em 10 regiões específicas do país, a maioria na
fronteira com a Rússia.
Cálculo
eleitoral
Mas a situação
sugere que um cálculo eleitoral também estaria envolvido. Fatos ligados à
soberania e segurança nacional sempre produzem resultados nas urnas, segundo
especialistas.
Em março do ano
que vem Poroshenko disputa a reeleição e, até o momento, está apenas em
terceiro lugar nas pesquisas, lideradas pela ex-premiê Yulia Timoshenko.
Poroshenko foi eleito em 2014 prometendo pacificar o país depois da
"EuroMaidan", uma onda de protestos de rua pró-União Européia e
contra o governo.
Poroshenko
prometeu reduzir a influência russa no país, modernizar o governo e atacar a
corrupção. Das promessas, pouco saiu do papel. A economia ainda se recupera a
passos lentos depois de muitos anos de recessão, o leste vive uma guerra sem
qualquer perspectiva de terminar e a corrupção na sociedade segue mais viva do
que nunca. Não é de se espantar que esteja tão mal nas pesquisas.
O presidente
ucraniano tenta, assim, jogar a crise a seu favor.
Para o
cientista político Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia Group, chama
a atenção o fato de Poroshenko não ter usado a lei marcial em nenhum momento de
sua Presidência. Mas, agora, a alguns meses da eleição, a conversa parece ser
outra.
Em artigo
recente publicado pela agência de notícias Bloomberg, o jornalista russo Leonid
Bershidsky reforça essa ideia, lembrando que o lema da campanha à reeleição é
"Exercito, Língua, Fé", um tom nacionalista, que potencialmente tem
muito a ganhar com a crise.
Alguns
acreditam que a situação possa caminhar para um conflito armado, ainda mais com
o fato de o presidente Poroshenko ter deixado a possibilidade em aberto no
decreto publicado nesta segunda-feira.
Leonid
Bershidsky afirma que nenhum dos dois lados está interessado em abrir uma nova
frente de batalha. Já o cientista político e professor de relações
internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Maurício
Santoro acredita que o momento pode, sim, levar a mais violência, ainda mais
com uma liderança em busca de legitimidade dentro do país.
"Sempre
existe a possibilidade do conflito se tornar mais violento diante das
sucessivas crises dos governos russo e ucraniano, e a possibilidade de que eles
tentem usar essa cartada do conflito internacional para ganhar popularidade
internamente. Esse é o principal risco que a gente tem visto no confronto entre
os dois países."
Bershidsky
também considera que o presidente russo, Vladimir Putin, deve tentar usar o
caso a seu favor. Ele não enfrenta os melhores dias de seu governo, com índices
de popularidade em queda por causa do plano da reforma da previdência, que vai
elevar a idade mínima para a aposentadoria. Os russos também contam com uma
certa resistência da comunidade internacional em condenar o país.
Como os EUA e a
Europa reagirão?
Até agora não
foram feitas declarações fortes ou promessas de novas medidas, como sanções
econômicas.
Em reunião de
emergência no Conselho de Segurança da ONU a embaixadora dos EUA, Nikki Haley,
disse que a ação russa foi "ultrajante". O presidente Donald Trump
afirmou apenas que a Casa Branca "não está feliz com a situação".
Mas para
Mauricio Santoro, a reação americana deve mesmo ficar apenas nas palavras.
"Trump,
desde a campanha presidencial (de 2016), tem sido critico das abordagens mais
duras com relação à Rússia e basicamente apresentando a ideia de que as ações
russas na europa oriental, inclusive na Ucrânia, não seriam uma razão de ameaça
à segurança americana. Isso vem com o esforço de Trump para que os europeus
paguem mais a conta da Otan, entrem com um apoio maior na questão da segurança
internacional", diz o professor.
"Por isso,
não podemos imaginar por parte do Trump uma resposta mais incisiva sobre a
crise russa. Essa resposta, se vier, virá da União Europeia, principalmente da
Alemanha, que vai tentar uma mediação, um diálogo maior com o governo
Putin", diz ele.
Até agora a
Casa Branca não informou se Trump vai tratar da recente crise no Mar de Azov na
reunião bilateral que terá com Vladimir Putin na reunião de líderes do G-20,
esta semana, na Argentina. A informação, até agora, é a de que o encontro está
mantido.
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