© Wilton
Junior/Estadão O candidato Jair Bolsonaro (PSL) sorri
após votar
no bairro da Vila Militar, na zona norte do Rio de Janeiro,
na manhã
deste domingo, 28
|
Havia 73 anos o Brasil não escolhia pelo voto direto um militar para ocupar a
Presidência da República. Jair
Bolsonaro (PSL) é o terceiro oficial do Exército brasileiro a obter
assim o cargo. Antes dele, apenas Hermes
da Fonseca (1910) e Eurico
Gaspar Dutra (1945) o haviam conquistado.
A chegada do
capitão, classificado em 69.º na Arma de Artilharia da turma de 1977 da Academia
Militar da Agulhas Negras (Aman), reacendeu nos oficiais-generais das três
Forças e em pesquisadores acadêmicos temores da volta da política partidária
para os quartéis, um dos componentes da instabilidade que marcou a República da
proclamação, em 1889, ao fim do regime inaugurado em 1964 com a deposição de
João Goulart.
Eis uma das
razões pelas quais generais ouvidos pelo Estado – da ativa e da reserva –
afirmaram que a administração Bolsonaro não significa a volta dos militares ao
poder. “O Exército como instituição não teve candidato. Bolsonaro tem a
simpatia de militares pelos valores que representa”, diz o general Luiz Gonzaga
Schroeder Lessa. A fala de Lessa, ex-presidente do Clube Militar, é repetida na
ativa.
Na
quarta-feira, 24, o Alto Comando das Forças Armadas discutiu o significado da
eleição de Bolsonaro para a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. “Para nós ele
é um civil, político há 30 anos, que tem um passado militar”, disse um dos
generais participantes do encontro. Para ele, a história mostrou que a política
partidária nos quartéis não é “saudável”. Lessa concorda: “Vivi momentos
difíceis na minha vida militar por causa disso”.
O afastamento
dos militares da política foi um processo iniciado no governo de Castelo Branco
(1964-1967). Ele fez reformas nas carreiras castrenses que aumentaram a
profissionalização das Forças. A ditadura, como um regime de crise, lutou com
um dos principais conflitos institucionais da República: a autonomia relativa
do Poder Militar em relação ao Poder Civil. De 1889 a 1985, a subordinação do
primeiro ao segundo foi questionada por incontáveis manifestos e dezenas de
revoltas, golpes e contragolpes militares.
“Esta é uma
linha comum a todo esse período republicano”, disse o historiador Sérgio Murilo
Pinto, autor de Exército e Política no Brasil. As reformas de Castelo e o fim
da guerra fria contribuíram para que, após a redemocratização, em 1985, pela
primeira vez na República, o País vivesse um período de mais de 30 anos sem
movimentos militares. “O que nos manteve afastados da política após a chamada
‘volta aos quartéis’ foi o profissionalismo da Força. Quando a política entra
no quartel, a instituição perde a identidade e a credibilidade”, diz um dos
generais do Comando Militar do Leste.
A figura de
Bolsonaro – ligada aos militares – cria para os generais ainda o desafio de não
permitir que percalços do futuro governo afetem a imagem das Forças. “Isso nos
preocupa”, diz Lessa. Para um almirante, Bolsonaro se cercou de “bons nomes
retirados do generalato e que estão trabalhando nos programas prioritários
setoriais – mas isso é diferente de governar”. Na Aeronáutica, um ex-membro do
Alto Comando lembra que o compromisso do setor tem “como fundamento a missão
com o Estado, definida na Constituição”.
Risco. Para
o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira há risco de a política
partidária voltar aos quartéis. “Há diferença entre um governo com militares e
um governo militar. Mas temos uma situação nova, que é o surgimento de uma
liderança carismática (Bolsonaro).” Para ele, essa situação pode multiplicar
lealdades e alternativas, com o surgimento de novas candidaturas militares de
forma semelhante ao fim da Era Vargas (1930-1945), quando a política dividiu as
Forças Armadas nas candidaturas de Dutra (PSD) e do brigadeiro Eduardo Gomes
(UDN).
As Forças
Armadas ficaram divididas até o golpe de 1964. “O Exército atuava para não
permitir que a política tomasse rumos contrários ao que ele pensava sobre o
País”, diz Murilo Pinto. Em 1988, tentou-se subordinar o Poder Militar ao Civil
na Constituição, condicionando a ação deste ao chamado de um dos três Poderes
da República. Por fim, a criação do Ministério da Defesa, em 1999, com a
nomeação de civis para a pasta, acentuou o afastamento dos militares da
política. “Mas é um erro pensar que eles, desde então, não faziam mais
política. Faziam sim. E muita. Apenas não faziam política partidária”, diz
Rizzo de Oliveira.
Marcelo
Godoy e Roberto Godoy
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