Candidato
diz que há “uma fantasia a respeito disso”, mas reconhece que Lula é quem mais
encarna projeto do PT. Haddad é o 3º da série de entrevistas do Jornal da
Globo.
O candidato
do PT à
Presidência da República, Fernando
Haddad, afirmou na noite desta quarta-feira (19) em entrevista ao Jornal
da Globo que o seu crescimento recente nas pesquisas eleitorais não
ocorreu só por causa do apoio do ex-presidente Lula.
"Fosse só isso haveria transferência para todo lugar onde ele apoia – e
não funciona automaticamente", afirmou o candidato, embora reconheça que
"obviamente o presidente Lula é quem mais encarna esse projeto".
Haddad é o
terceiro entrevistado da série que o Jornal da Globo faz nesta
semana com os candidatos à Presidência mais bem colocados na última pesquisa
Datafolha, divulgada na última sexta-feira (14). A apresentadora Renata Lo
Prete já entrevistou Ciro
Gomes (PDT) na segunda-feira (17) e Geraldo
Alckmin (PSDB) na terça-feira (18) e entrevistará Marina Silva
(Rede) na sexta-feira (20). O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, permanece internado
se recuperando do atentado que sofreu em 6 de setembro e não será entrevistado
neste momento.
O
candidato do PT tem 19% das intenções de votos, segundo pesquisa Ibope divulgada
na terça-feira (18), e 16%,
segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (20). Ele
tinha 4% tanto na pesquisa Ibope divulgada em 20 de agosto quanto na Datafolha
divulgada 2 dias depois.
Ao falar das
pesquisas, Lo Prete afirmou que "ninguém, acho que nem mesmo o senhor,
discorda de que a sua rápida escalada nas pesquisas de intenção de voto se deve
à indicação do ex-presidente Lula" e questionou se isso não faria de
Haddad, se eleito, "um presidente fraco, porque o poder, a origem do poder,
é outra".
Haddad afirmou
que "tem uma fantasia a respeito disso". "Se isso fosse verdade,
se o Lula colocasse o dedo e tudo se resolvesse, nós estaríamos elegendo 27
governadores e 3 mil prefeitos. Não é o que acontece. Existe uma decisão que é
mais complexa do que parece para chegar à conclusão de apresentar o nosso
projeto".
Segundo Haddad,
o PT tem um projeto e "obviamente o presidente Lula é quem mais encarna
esse projeto, porque tem 40 anos de estrada e de confiança da população".
"Lula é uma personalidade mundial. Eu tenho muito orgulho de contar com a
confiança dele, mas nós temos um partido que é complexo", disse.
A jornalista,
então, questionou se Haddad achava que estava incorreta a avaliação de que a
escalada dele nas pesquisas se devia à indicação do ex-presidente. "Eu
penso que o PT tem muita força no país", disse Haddad. "O Lula
encarna esse projeto como ninguém pela liderança que tem".
Lo Prete
manteve o questionamento: "Não é a transferência maciça de votos,
candidato, que estavam se dirigindo a ele e, a partir do momento em que ele
indica o senhor, estão vindo para o senhor? Não é isso?"
"É isso
também", afirmou o candidato. "Mas fosse só isso haveria
transferência para todo lugar onde ele apoia – e não funciona
automaticamente".
Indulto a
Lula e corrupção no PT
Haddad
reafirmou que não concederá indulto a Lula caso seja eleito. "Eu queria
esclarecer", perguntou Lo Prete. "Nem indulto, nem graça, nem
anistia. Haverá isso pro ex-presidente Lula num eventual governo seu?” O
candidato respondeu: "olha,
eu repito o que eu disse na CBN, de que não". A jornalista
insistiu: "não haverá indulto é a sua palavra final?". "É",
ele respondeu.
Questionado
sobre combate à corrupção, Haddad afirmou que "o presidente Lula sancionou
praticamente todas as leis que são usadas pela Lava Jato" e "sempre
louvou o combate à corrupção". "Depois se vê vítima, na nossa opinião
e aí é unânime no PT, de uma sentença injusta" (sobre a condenação
no processo sobre o triplex em Guarujá).
Lo Prete então
perguntou sobre outros petistas condenados pela Justiça: "José Dirceu,
Antonio Palocci, João Vaccari Neto, André Vargas. Algum desses foi condenado
injustamente, candidato?". Ele afirmou não conhecer os processos, mas
disse ter "a impressão que, em alguns casos, a pena é desequilibrada".
A jornalista,
então, perguntou: “que casos, por exemplo?”. Haddad respondeu: "O Vaccari,
o próprio Sérgio Moro disse textualmente que não há um centavo de dinheiro
público utilizado pelo Vaccari ou pela família do Vaccari em nenhum
aspecto", afirmou o candidato. "Quando eu vejo a PGR arquivar dezenas
de processos por prescrição de caixa 2 de outros partidos - eu não estou
fazendo uma acusação - eu fico me perguntando se não está havendo dois pesos e
duas medidas."
Lo Prete
questionou se o fato de um juiz ter dito que não havia sinal de enriquecimento
na família de Vaccari significa que o ex-tesoureiro do PT não fez nada errado.
Haddad afirmou que "significa que pode se apurar a suspeita de caixa dois,
como aconteceu com o Serra, como aconteceu com Aloysio Nunes, como aconteceu
com várias personalidades que tiveram todos os seus processos arquivados"
e que "parece que alguns casos o tratamento tem sido distinto".
"Foi
recentemente arquivado um processo do José Serra dizendo: 'está prescrito
porque é só caixa 2. Não houve nada além de caixa 2'. Nem se investigou para
saber se tinha a ver com a obra da Dersa, se tinha a ver com a obra do metrô.
Uma coisa é um crime eleitoral de baixa lesividade, né, do código eleitoral. A
outra coisa é uma suspeita de superfaturamento de obras", afirmou Haddad.
Reforma
bancária e inadimplentes
Haddad afirmou
que o sistema bancário do país é "completamente anômalo", que é
preciso baixar os juros "na ponta" e que, no mundo inteiro, o lucro é
maior que os juros – menos no Brasil.
"A coisa
mais comum no exterior é uma pessoa ir ao banco, tomar um dinheiro emprestado e
abrir um negócio. Aqui você não vê isso por quê? O juro é tão alto que o lucro
não cabe no juro. O lucro é menor do que o juro. Então você não vai ter geração
de emprego", afirmou. "No mundo inteiro, o juro é menor que o lucro.
Você paga o banqueiro e sobra um pouquinho para você, e por isso que você
emprega gente. Se o juro for maior do que o lucro, você não vai ter chance,
você vai quebrar."
O candidato
propôs cobrar mais imposto de quem cobra juros acima da média do mercado e, por
outro lado, menos de quem pratica taxas menores. "O banqueiro que é mais
ganancioso vai ter que dividir a ganância dele em tributos. O banqueiro que
trouxer a taxa de juro para baixo vai ter um benefício fiscal". Lo Prete
questionou sobre o risco de um "efeito bumerangue", que represaria o
crédito para consumidores de perfil mais complicado ou inadimplente.
"Existe o risco se a gente não atuar nos depósitos compulsórios",
disse Haddad. "Nós temos de atuar em várias pontas para fazer o sistema
operar."
O candidato
disse também que não vai usar os bancos públicos (Caixa Econômica Federal e
Banco do Brasil) para forçar a redução de juros. "Bancos públicos vão ter
que se adequar também às mesmas regras. A ideia não é fazer regra para banco
público diferente de banco privado."
Haddad negou
que o programa "Dívida Zero", para pessoas com nome sujo, tenha
surgido após o "Nome Limpo", do presidenciável Ciro Gomes (PDT).
"O senhor ou a sua campanha tinham algum sinal de que o programa estava
carreando ou poderia carrear voto para a candidatura do Ciro Gomes?",
questionou a jornalista.
"O que é
diferente na nossa proposta? O Ciro não tocou numa reforma bancária. O Ciro
resolveu um problema tópico. Não vai resolver no médio e longo prazo o problema
do juro alto para o Brasil. Você vai tirar pessoas do SPC, elas vão voltar
depois de um ano, o problema estrutural não terá sido resolvido", afirmou.
"A nossa [proposta] é muito mais abrangente."
Segurança
Haddad disse
que sua proposta é criar um "sistema único de segurança pública no
país", como o SUS, criar maior integração entre União, estados e
municípios e federalizar crimes que envolvam organizações criminosas nacionais.
"Eu tinha
uma enorme dificuldade para negociar com o governo de São Paulo uma visão de
segurança territorial na capital (quando era prefeito de São Paulo). Eu era
responsável pela segurança de 12 milhões de pessoas e não tinha nenhum acesso
ao comando da Polícia Militar. Isso é errado. Outra coisa errada é o Presidente
da República dizer: 'olha, governadores, pela Constituição a Segurança Pública
é um problema de vocês, cuidem-se'. Não dá mais para isso porque o crime se
nacionalizou, então nós precisamos distribuir competência. O prefeito tem que
ter competência na segurança", afirmou.
O candidato diz
que sua proposta é federalizar os crimes "que envolvem organizações
nacionais criminosas", com o objetivo de "liberar forças locais para
combater homicídio, feminicídio, estupro, roubo, que é o que aflige a
população".
Lo Prete
questionou o petista, então, sobre o aumento da violência nas regiões Norte e
Nordeste durante os governos petistas – que Haddad atribuiu ao crescimento da
renda da população, provocando a migração de facções do Sudeste em busca do
mercado consumidor de armas e drogas nesses locais.
A jornalista
perguntou se não seria possível que o PT, quando governou o país, tivesse feito
essa análise. Ele afirmou que foi mantido o modelo da Constituição de 88 para a
segurança pública. “É o capítulo menos inovador da nossa Constituição”,
avaliou, dizendo em seguida que é preciso “sentar à mesa e repactuar” tendo em
vista os interesses corporativos envolvidos.
Outros temas
- Venezuela
Pergunta: Eu
queria fazer uma pergunta sobre a Venezuela para o senhor, onde o governo faz
detenções arbitrárias e diretamente, ou por meio das milícias, das forças
paramilitares, tortura e mata. No entanto, o PT diz oficialmente que a
Venezuela é um exemplo de democracia. Eu queria saber se o senhor pessoalmente
concorda com isso, e em que o Brasil deve se inspirar na Venezuela.
Resposta: Deixa
eu precisar a resposta porque é muito complexo para o telespectador entender
qual o papel de um chefe de Estado em relação a um país vizinho. A Venezuela
não vive um processo de normalidade. Não vive, porque há uma contestação sobre
o ambiente democrático. Não se reconhece o resultado eleitoral, a oposição
contesta quando um plebiscito é chamado, as eleições não são respeitadas. O
clima ali é de conflagração. É inequívoco isso. Qual é o papel do Brasil? Tomar
partido de um ou de outro ou, junto aos organismos internacionais, nós temos
OEA, OEI, nós temos ONU... Fazer um papel de mediador dos conflitos em busca do
quê? Um único objetivo: que a soberania popular prevaleça sobre o interesse
partidário. E isso...
Pergunta: Só
para deixar claro. Eu não lhe perguntei sobre a posição do Brasil, nem entrou
em discussão, porque seria uma discussão longa. Eu estava confrontando o senhor
com a posição do PT, que é dizer que a Venezuela é um exemplo de democracia.
Resposta: Eu
não vi essa declaração oficial, mas eu entendo que o papel do Brasil... A
posição do PT pode ser essa. Eu estou falando de um eventual governo do PT
comigo à frente. O papel do Brasil tem que ser: Um, reconhecer que as coisas
não andam bem lá. A situação é conflagrada, inclusive nós estamos com
repercussão disso em Roraima, e precisamos resolver lá. O papel do Brasil, pela
sua importância e pela sua liderança não é tomar partido na Venezuela. É, junto
aos organismos internacionais, inclusive o próprio Fernando Henrique, ao seu
tempo, criou grupos de apoio à Venezuela, em função da instabilidade
política... É buscar mediação, reconhecendo que o ambiente não é dos mais saudáveis.
- Reformas
Pergunta: Eu
queria continuar no seu programa e falar de estímulo a investimento vindo do
exterior. O senhor diz que pretende usar isso para recuperar a nossa indústria.
E ao mesmo tempo o seu programa prevê revogar a reforma trabalhista, a emenda
do teto de gastos, privatizações... Eu queria saber se o senhor não vê uma
contradição aí. Quer dizer, o investidor, o senhor sabe, quer previsibilidade.
Qual vai ser o interesse de aportar recursos no Brasil se a agenda do seu
eventual governo for revisionista, criadora de insegurança jurídica?
Resposta: Olha,
na minha opinião, o que está trazendo insegurança jurídica para o país são as
reformas desse governo. Eu não entendo o teto de gastos como uma medida
saudável para o Brasil. Você congelar por 20 anos o tamanho do Estado, o que na
verdade é uma redução proporcional, se a economia crescer, isso vai colapsar os
serviços públicos no Brasil como já está acontecendo. [...] Em função, também,
do teto de gastos. Baixo crescimento por um lado e teto de gastos do outro. Não
existe nenhum lugar do mundo que tenha aplicado essa medida. Nem a Grécia, no
auge da crise, aplicou essa medida. A Argentina agora está no FMI e não estão
impondo essa medida sequer para a Argentina tomar empréstimo. Não é uma medida
inteligente. Nós temos obras paradas hoje que nós precisamos concluir para
aumentar a produtividade da nossa economia. [...] Se nós concluirmos, você tem
um impacto positivo sobre a produtividade. Você falou do ambiente de negócios.
Nós criamos um ambiente de negócios, nós nunca atraímos tanto investimento
estrangeiro para o Brasil como na época dos governos do PT. Aquilo que se dizia
que os empresários iriam fugir do Brasil aconteceu exatamente o contrário. O
empresário brasileiro ficou e cresceu e nós atraímos bilhões de dólares de
investimentos estrangeiros.
Por G1, São Paulo
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