Frank
Barbieri enviou centenas de fuzis ao Brasil,
segundo o
MPF (Foto: Reprodução)
|
Traficante
de armas que ficou conhecido como 'Senhor das Armas' começou nos Estados Unidos
como limpador de piscina.
O Ministério
Público Federal calcula que quase 1,2 mil fuzis e pelo menos 300 mil munições
tenham chegado às mãos de traficantes cariocas através do esquema montado por
Frederik Barbieri. Foram pelo menos 75 remessas entre 2014 e 2017. Durante 8
dias nos Estados Unidos, repórteres da TV Globo levantaram como o carioca de
Irajá virou o maior traficante de armas que, de uma cidade pequena, St Lucie,
na Flórida, alimenta a guerra em seu próprio estado de origem.
Preso
no último dia 23, Frederik estava estabelecido nos Estados Unidos havia
alguns anos, mas vivia numa espécie de ponte-área Rio-Miami. No estado
americano da Flórida, embarcava computadores e videogames; no Edifício Central,
no Rio de Janeiro, ajudava na distribuição do que acabara de chegar.
“Oficialmente, ele fazia um adianto aqui, outro ali. Pagava um dinheirinho por
fora para todo mundo sair ganhando, e tudo bem. Ninguém sabia que ele mexia com
coisa errada”, diz um empresário do ramo de importação e exportação.
A expressão
"adianto" que ele usa, em bom português, é contrabando. O que quase
ninguém do ramo sabia é que, em 2011, Fred já estava apostando mais pesado e
começando a se aproximar do mercado do tráfico de armas. “Até que um dia,
estávamos na sala da casa dele conversando. Ele apareceu com um AK-47 nas mãos
e me cantou, meio que brincando: “Vamos mandar isso pro Brasil?”.
Lá se vão quase
sete anos. De fato, Fred mudou de vida completamente durante esse período.
Dirigia um Ford Explorer preto com alguns bons anos de uso. De repente deu
início a uma pequena coleção de carrões, que incluía um Audi Q7 e uma Land
Rover. “Lembro que ele disse ter vendido uma casa em Niterói para conseguir se
levantar”, diz outro amigo afastado dos tempos de Miami.
Cria da Aníbal
Porto, rua do subúrbio carioca de Irajá, Fred entrou no radar da polícia pela
primeira vez no final dos anos 90. Motivo: sua amizade com Marcelo da Silva
Burck, o Marcelo da Gata de Irajá, preso em 2002 pela Polícia Federal. Naquele
tempo, era o amigo e vizinho do bairro quem ostentava o título de traficante de
armas número 1. “Não tínhamos nada contra o Fred na época. Só sabíamos da
existência dele. Mas depois ele sumiu no mapa”, diz um investigador da Polícia
Civil.
Limpador de
piscinas e Green card via casamento
E Fred
realmente saiu da mira da polícia a partir de 20 de dezembro de 2000. Foi neste
dia que ele registrou residência fixa nos Estados Unidos pela primeira vez. Uma
parte de sua família, de Ramos, outro bairro do subúrbio, já havia se mudado
para tentar a vida em Miami. Fred foi atrás. Não há, nesta época, qualquer
indício de que ele tenha ido para lá enviar armas para o Brasil. Pelo
contrário. Quem o conheceu conta que ele fez o caminho que todo imigrante faz
quando chega na América: procura um emprego. “Ele começou aqui limpando
piscinas”, diz outro amigo.
Em 2005, Fred
já tinha criado fortes laços de amizade na própria comunidade brasileira. Um
deles, dono de um mercadinho na vizinha cidade de Coral Gables, foi quem mais o
incentivou. Veio dele também a ideia fixa de que Fred precisava casar de
qualquer maneira para pegar logo o Green Card (direito de viver nos Estados
Unidos legalmente). Feitas as devidas apresentações, dia 27 de setembro de 2006
Frederik Barbieri, aos 34 anos de idade, e a cubana radicada (naturalizada) nos
Estados Unidos Margarita Pena Rios, de 48 anos, foram até o cartório central de
matrimônios, no Centro de Miami, para assinar a papelada e obter o certificado
de casamento.
“Custou cerca
de 20 mil dólares esse casamento”, diz o delegado Maurício Mendonça, que
comandou a operação da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) que
começou a desarticular toda a quadrilha de Fred, ano passado.
Depois que
obteve a cidadania Fred desfez o casamento. Dia 22 de setembro de 2008, o
‘casal’ voltou a se encontrar num cartório para assinar o litígio “sem filhos,
sem patrimônio e sem dívidas”.
À essa altura
Fred já havia embarcado no ramo que lhe daria dinheiro de verdade. Ainda em
2006, criou no Rio de Janeiro a ZPA Importações e Exportações. No ano seguinte
montou sua primeira empresa nos EUA, a FKBar (numa alusão ao seu nome) Limited
Liability Company, registrada com o endereço de um condomínio de classe média
na Avenida 107. Boa parte de suas operações passava pelo principal porto da
Flórida, de Everglades, em Fort Lauderdale. Fred fazia muitos negócios com
outras empresas brasileiras, inclusive a de seu grande amigo e incentivador
dono da mercearia. “Até que o Fred se apaixonou pela Ana Cláudia, que era a
mulher desse comerciante brasileiro. Ela largou ele pra ficar com o Fred e a
amizade acabou”, relembra um amigo em comum.
Ana Cláudia
Santos Barbieri se tornaria mais do que simplesmente "a mulher de
Fred". Se tornaria sócia nas empresas e, nas palavras de delatores,
cúmplice da empreitada criminosa.
No acordo de
delação premiada negociado com o Ministério Público Federal, uma das principais
testemunhas do processo que corre na 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro revela
que Ana Cláudia chegava a ajudar o marido na montagem dos aquecedores de
piscina recheados com fuzis e munições. No Brasil, ela está com a prisão
decretada e é considerada foragida. Atualmente vive com a filha do casal, de 7
anos, na casa em Fort Pierce, também na Flórida, onde Frederik foi preso no
último dia 23 de fevereiro.
A primeira
apreensão
Foi do Porto de
Everglades que partiu o navio cargueiro que tiraria das sombras a verdadeira
atividade fim do empresário Frederik Barbieri. Em 6 de março de 2010, a empresa
Data Cargo embarcou o contêiner CHLU 830662-1, com destino a Salvador. Quando
chegou à capital baiana, a mudança com 14 caixas somando 690 quilos trazia
também 358 munições de fuzil AK-47, dez carregadores para a mesma arma e duas
lunetas. O destino da mercadoria era um apartamento no quarto andar do edifício
1097 da Rua Visconde de Itaborahy, também registrado como um endereço de
Frederik Barbieri. A empresa que enviou o contêiner chegou a dizer que o
material foi enviado no contêiner de Fred por engano.
Remessas de
cargas disfarçadas por duas empresas
Para a
Promotoria dos Estados Unidos, o início das operações aéreas de Frederik
Barbieri foi em maio de 2013. As investigações da polícia brasileira e do MPF
conseguem registrar pelo menos 75 remessas entre 2014 e 2017. Em 55 dessas
operações a importadora foi a Raniero Equipamentos de Modelismo. Outras 16
vezes a importação foi feita pela Metropole Comércio Exterior Eireli, todas
elas num curto espaço de cinco meses, entre dezembro de 2015 e abril de 2016.
Na maioria das vezes a carga era de bomba d’água (Centurion B855) ou aquecedor
da marca Rheem - neste caso, quase sempre de quatro em quatro unidades.
O equipamento
era comprado por menos de 300 dólares cada em uma das três lojas da Home Depto.
localizadas nos arredores de Port St. Lucie. Então
era levado para cortado num galpão alugado na mesma cidade.
“Demorávamos um dia inteiro para abrir os quatro aquecedores”, conta o delator,
que fez dez viagens para os Estados Unidos enquanto trabalhou com Fred entre
2015 e 2017.
X. - que vive
escondido por medida de segurança - revelou em detalhes como funcionava a vida
de Fred na pacata St. Lucie. O ritmo frenético de envio de aquecedores de
piscina recheado de armas chegou a ser de uma vez por semana.
Mala de
dinheiro no aeroporto
O delator vem
ajudando a polícia americana também na segunda fase da operação. Ano passado,
policiais e procuradores brasileiros estiveram em Miami durante uma semana para
reuniões de cooperação. Todos os elementos levantados no Brasil foram
entregues. Nos Estados Unidos, o trabalho não acabou. A dica do delator fez os
agentes virarem os holofotes para Orlando. A cidade dos sonhos das crianças, do
Mickey e da Minnie, é também a cidade onde existem 122 lojas de armas. E lá
estava o principal fornecedor de Barbieri, que atende pelo nome de Lorenzo.
Este, até onde se sabe, não foi identificado ainda.
É no rastro da
fuzis que a polícia espera desmantelar toda a rota de fornecimento de armas
para contrabando. E foi através das notas fiscais obtidas ao longo da
investigação - que conta com a ajuda da unidade de controle e fiscalização de
armas nos EUA - que se chegou a um dos laranjas de Fred. Capixaba, 37 anos, T.
não tem mandado de prisão e também vive na Flórida. Passou por Orlando, Pompano
Beach e, por último, registrou uma suposta residência em Fort Lauderdale.
Lá, o atual
morador se assustou ao ser abordado pela equipe de reportagem. “Vivo aqui há 22
anos. Nunca ouvi esse nome é nem vi esse sujeito”, diz ele, que também é
brasileiro. Em 17 de julho de 2017, a Homeland Security encontrou T. no
Aeroporto de Fort Lauderdale desembarcando de um voo de Campinas. Com ele havia
uma mala de dinheiro. T. não foi preso, mas seu celular chegou a ficar
apreendido. Radicado nos EUA há quase duas décadas, ele entrou no país pela
última vez em novembro do ano passado.
O nome de T.
aparece citado num depoimento importante de outro homem que tem colaborado com
a Justiça: o ex-braço direito de Fred, Marcus Garrido Lourenço. Nascido e
criado em Ipanema, estudou em bons colégios, frequentava altas festas da elite
carioca e ia à praia onde jogadores famosos batem ponto no futevôlei. Garrido
chegou a ser diretor de Beach Soccer do Botafogo. Mas sua atividade mesmo era
operacionalizar o esquema montado por Fred.
Da compra à
montagem dos aquecedores, passando pela lavagem de dinheiro. Um dos esquemas
investigados pelas autoridades envolve um restaurante brasileiro em Boston,
cidade bem longe da Flórida. Garrido conta ter ido lá junto com T. para buscar
dinheiro, quantias variando entre 30 e 50 mil por vez. Hoje ele está solto, com
tornozeleira eletrônica e restrições de horário para sair de casa.
Farra das
exportações
Outra ponta
intrigante do esquema é o embarque dos aquecedores no aeroporto de Miami. Foi
através da NB Enterprises, empresa com sede na vizinha Davie, que Fred embarcou
duas cargas de oito aquecedores de piscina em maio de 2017.
No
setor de cargas do Aeroporto do Galeão, em 1º de junho, a Polícia Civil
encontrou 60 fuzis. “Não quero papo com vocês. Essas pessoas são perigosas
e quase me prejudicaram”, disse um assustado Guillermo Medina, dono da empresa
ao ser abordado pela equipe de reportagem. Para a investigação americana, ele e
seu sócio Humberto foram peças fundamentais. Eles foram procurados por Barbieri
assim que a remessa de fuzis foi apreendida no Brasil. Fred queria que
trocassem o nome do embarcador da carga para ‘Gilberto’. A ligação foi gravada.
Do galpão da NB
Enterprises as mercadorias seguiam direto para o aeroporto e seguia sempre em
voos cargueiros.
De todas as
remessas de Frederik para o Brasil nos últimos anos, 60 delas foram exportadas
oficialmente pela Air Con International. Até aqui, a empresa do ramo de ar
condicionado não foi envolvida em nenhuma acusação. No endereço onde ela
funcionava até julho do ano passado está outra empresa.
Outra que
exportava as mercadorias de Barbieri era a Alpha International. A empresa
pertence a um casal brasileiro que vive em Orlando. A mulher é prima da esposa
de João Felipe Cordeiro Barbieri, genro de Frederik que ganhou o sobrenome para
tentar agilizar o processo de obtenção do Green Card. Felipe, como é chamado,
está preso. Ele é apontado como uma das principais peças da engrenagem desse
tráfico de armas. Num vídeo obtido pela policia numa Home Depot, é Felipe quem
aparece ao lado de Garrido comprando aquecedores em janeiro de 2017.
Condenação
pode chegar a 40 anos
Apesar da
descoberta de seu esquema com a apreensão feita no Brasil, Fred não parou.
Vendeu a casa por 320 mil dólares e deixou St.Lucie. Foi para uma casa ainda
mais isolada na minúscula e vizinha Fort Pierce. Mudou também o local de seu
galpão para Vero Beach, outra cidade da região. Na noite de 23 de fevereiro,
porém, Fred viu seu sonho americano desabar.
Agentes da
Homeland Security e da ICE (Imigração Americana) chegaram ao seu novo endereço
por volta das oito da noite. No galpão haviam encontrado 52 fuzis embalados na
mesma fita preta que encobria a remessa do Galeão. Indicado por cinco crimes
que podem chegar a 40 anos de condenação. Barbieri foi levado para a unidade
federal no centro de Miami.
Por Leslie Leitão, Tiago Eltz e Sherman
Costa, TV Globo
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