Valencia
Warren-Gibbs abraça Bobby Hines durante o primeiro encontro
dos dois, em
1º de outubro, em Detroit (Foto: AP Photo/Paul Sancya)
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Bobby Hines
foi condenado à prisão perpétua aos 15 anos, mas família de sua vítima o ajudou
a conseguir nova sentença. Aos 43, ele reconstrói a vida e mantém contato
diário com irmã do jovem que morreu.
Bobby Hines dá
um passo à frente, sorrindo ao abraçar a irmã do homem por cuja morte ele foi
condenado.
Preso durante
28 anos, ele esperou por muito tempo para conhecer Valencia Warren-Gibbs, para
falar com ela sobre aquela noite em 1989 quando o irmão mais velho dela, James,
foi baleado depois que Hines e dois outros o confrontaram em uma disputa sobre
drogas.
Aos 15 anos,
Hines foi condenado à prisão perpétua sem condicional. Agora ele está livre, um
homem de 43 anos vivendo em uma cidade que deixou para trás como um aluno da
oitava série. Lentamente, está checando a lista de coisas que precisa fazer: já
encontrou um trabalho, desfrutou de uma refeição em um restaurante de verdade e
aprendeu a tirar fotos em seu novo celular.
E agora em um
domingo, 20 dias após ser libertado, veio se sentar com a irmã de sua vítima e
assumir sua responsabilidade na morte de Warren.
“Você sabe por
que?”, ele pergunta a ela, batendo os dedos na mesa para enfatizar. “Eu nunca
vou esquecer o que eu fiz”.
Ele pode não
esquecer, mas pode corrigir, seguir em frente e fazer seu melhor para
aproveitar ao máximo sua extraordinária segunda chance. Após quase três décadas
atrás das grades, está aprendendo o que é ser Bobby Hines novamente – mais
velho, esperançosamente mais esperto e um estranho ao mundo de 2017.
Liberdade
“Conseguimos”,
declarou Hine, quase inaudível, como se tivesse acabado de cruzar uma linha de
chegada.
Ele saiu da
prisão pontualmente às 9 horas da manhã de 12 de setembro, de braços dados com
sua irmã, Myra, que irradiava alegria, sorria e descansava sua cabeça no ombro
do irmão enquanto eles se aproximavam do carro que os levaria dali.
Mais de 10 mil
dias tinham se passado atrás das grades, mas Hines tinha se recusado a
acreditar que morreria ali dentro.
“Deus não vai
deixar isso acontecer”, ele dizia, sempre confiante de que um dia encontraria
seu caminho para a liberdade.
Sua libertação
veio depois que a Corte Suprema dos EUA ampliou a proibição de prisões
perpétuas sem condicional para criminosos juvenis que já estavam na prisão,
lançando uma onda de novas sentenças e a liberdade de dezenas de prisioneiros
de Michigan a Pensilvânia, Arkansas e outros estados.
A carteira
de estudante de Bobby Hines da época em que
ele foi detido, aos 15 anos (Foto: ACLU via
AP)
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Hines, um dos
pelo menos 99 condenados à prisão perpétua que já receberam novas sentenças no
Michigan, não foi o atirador. Mas procuradores o acusaram de ser o líder da
gangue no ataque que matou James Warren, argumentando que ele provocou os
outros dois adolescentes, dizendo algo como “atire nele” ou “dê isso a ele”,
quando o trio o confrontou.
Quando Hines
deixou a prisão em 12 de setembro, ele enfrentou as mesmas os mesmos obstáculos
que outros ex-condenados libertados: não tinha dinheiro, histórico de trabalho
ou experiência como adulto na sociedade – um mundo no qual foi dito que jamais
conviveria novamente. Para alguns, sair depois de 20, 40 ou mesmo 50 anos
parece um pouco como uma viagem no tempo.
Ele era um
garoto pequeno, de apenas 1,60m, quando repentinamente se viu trocando a
identidade do ensino médio por um número de registro na prisão. A cadeia era um
ambiente tão brutal, diz, que a chamava de Serengeti, como as planícies
africanas cheias de vida selvagem, onde a sobrevivência do mais apto é a regra.
Em sua primeira década, se envolveu em diversas brigas. Então prisioneiros mais
velhos se tornaram pais adotivos, o ensinando a se comportar e manter sua cela
limpa.
“Depois de um
tempo”, diz, “você começa a se adaptar... a depender do encarceramento mais e
mais”.
Finalmente, ele
conseguiu um diploma equivalente ao do ensino médio, fez um curso preparatório
de faculdade de negócios e completou uma série de programas de auto-ajuda e
treinamento.
Em junho,
depois de se tornar elegível à condicional, Hines foi transferido ao Macomb
Correctional Facility, no norte de Detroit, para se unir a jovens condenados à
prisão perpétua que ganharam novas sentenças e serão libertados. Oficiais
carcerários reuniram esses prisioneiros em um único lugar enquanto expandem
programas existentes para ajudá-los a aprender sobre finanças, tecnologia e
outros aspectos da vida diária. Aqueles com datas de condicional têm acesso a
programas educacionais e de treinamento profissional que antes não ficavam
disponíveis para eles.
“Estamos
tentando fazer um pouco mais porque está em uma situação tão única”, diz Chris
Gautz, porta-voz do Departamento de Correções de Michigan. Esses prisioneiros
tinham a expectativa de morrer na prisão, diz. “Queremos prepará-los de uma
forma que eles provavelmente não retornem”.
A maioria dos
jovens condenados à perpétua libertados até agora ao redor dos EUA está fora da
prisão há um ano ou menos. Oficiais correcionais em Pensilvânia, Michigan e
Louisiana, que juntos somam quase 1.200 deles, dizem que, até o momento, nenhum
violou a condicional ou cometeu outro crime.
No inverno
passado, Hines começou a se encontrar com um voluntário do Project Reentry, um
programa dentro do escritório de apelações do estado no qual estudantes de
assistência social ajudam pessoas na condição dele a se preparar para a
liberdade. Um estudante se encontrou com Hines, visitou a casa da irmã dele
para planejar sua mudança e tirou fotos da casa de Myra como parte de um extensivo
plano pós-libertação apresentado ao juiz encarregado da nova sentença.
Hines também
teve conversas sinceras com sua advogada, Valeria Newman, uma encarregada de
apelação do estado que garantiu a libertação de cerca de meia dúzia de jovens
condenados à perpétua em Michigan no ano passado. O conselho dela a Hines foi o
mesmo dado aos outros: vá devagar.
“Você tem que pensar em si mesmo como uma
criança pequena”, ela disse. “Você está aprendendo a andar, você precisa dar
pequenos passos. Tudo precisa ser feito em pequenas etapas, e você tem que ser
bom para si mesmo. Há uma grande tendência a ficar muito frustrado. Há uma
grande curva de aprendizagem”.
Newman espera
que Hines se dê bem por causa do apoio da irmã dele, de sua vontade em aprender
coisas novas e por sua valorização pela liberdade.
“Ele carrega
tanta culpa pelo que aconteceu e pelo que fez”, diz. “Muitos clientes sentem
enorme remorso pelo que fizeram, mas eles aprendem a lidar com isso. Eles
apenas querem retribuir”.
'Vou me
acostumar'
A cada lugar
que parava após ser libertado, havia algo novo para experimentar.
Bobby Hines
deixa o Macomb Correctional Facility com sua irmã,
Myra Jessie,
in New Haven, Michigan, no dia 12 de setembro
(Foto: AP
Photo/Paul Sancya)
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Seu primeiro
encontro com seu oficial da condicional, que estabeleceu as regras: ele deve
comparecer todas as primeiras e terceiras sextas-feiras do mês, pagar uma taxa
de US$ 240 por ano de supervisão da condicional e US$ 1.033 em restituição –
pelo funeral de sua vítima.
Sua primeira
refeição, no Royal Barbecue, onde ele examinou um cardápio de cinco páginas,
encantado por não ter que engolir a comida em 10 minutos. Ele escolheu frango
frito, feijões cozidos e salada de repolho.
Sair, ele diz,
é como nascer de novo. “Se você morresse e fosse para o inferno e visse toda a
destruição e briga e matança lá embaixo e Deus soprasse a vida de volta em você
e você recebesse uma segunda chance – é isso”.
A última parada
do dia é a arrumada casa verde de sua irmã no noroeste de Detroit, ao final de
uma rua quieta, com uma aparência quase rural, com um bosque beirando o
quintal. Do outro lado da rua ficam jardins comunitários onde moradores,
incluindo Myra, cultivam verduras vendidas em mercados abertos.
Hines carrega
os pertences de sua vida – uma caixa e um saco plástico de registros e
documentos – para dentro da casa, onde é farejado pela pequinês cega de sua
irmã, Sasha. Ele então se recolhe a uma mesa de piquenique no quintal com suas
mais valiosas posses: os poemas e ensaios que escreveu na prisão para se manter
são.
Ele percorre a
pilha de papel até ver um título, "100 Ferramentas para o Pensador
Pensativo”, reflexões de Hines sobre a vida, incluindo seu papel na morte de
Warren. Segundo registros da corte, Warren, de 21 anos, tirou a jaqueta de um
jovem que devia a ele dinheiro por drogas. Esse homem chamou Hines e outros
para confrontá-lo. Hines, que rejeitou um acordo de 20 a 40 anos, foi o último
dos três envolvidos no crime a ser libertado.
Hines não
desculpa seu passado.
“Quando jovem,
soube que tinha atingido o fundo do poço quando escolhi me envolver em tirar a
vida de outro homem”, escreveu. “Eu tinha a mentalidade de... destruir a mim
mesmo e a minha comunidade... eu aprendi que quando você tira a vida de uma
pessoa... não há forma verdadeira de acertar essa morte com os membros da
família dela. Eles estarão marcados para sempre”.
Ele então lê um
poema que escreveu sobre tempo, um tópico que o fascina depois de tantos anos
distante.
“Tempo”, ele
diz, “é perder 27 dos seus malditos anos. Tempo é prisão. Tempo é paciência.
Tempo é concreto e aço… tempo é fogo e fúria. Tempo é Mr. James Warren que eu
matei em um quarteirão”.
Ele se senta
para absorver as palavras, então explica que, ao longo do tempo, se tornou mais
consciente da dor que causou.
“A maior coisa
na prisão... é ser capaz de encarar o que você fez”, diz. “Uma vez que você
consiga encarar seus medos sobre o que fez, então e só então você pode seguir
adiante e ser uma pessoa melhor”. Foram necessários dez anos, ele diz, para
entender seu erro. “Sou furioso comigo mesmo por permitir que minha ignorância
me levasse a esse caminho”.
Hines disse que
ficou comovido pela irmã de Warren, Valencia, e pelo pai deles, Henry, que
falaram a favor de sua liberdade em sua audiência de nova sentença em março,
dizendo que ele já tinha sido punido o suficiente. O juiz impôs então uma pena
de 27 a 60 anos, abrindo caminho para que Hines conseguisse a condicional.
Warren-Gibbs
estava ciente da data de libertação de Hines, e naquele dia pensou em seu
irmão, James. Ela teve inveja porque Hines estaria indo para casa de sua irmã.
“Eu queria que fosse meu irmão que eu pudesse ver”, diz. “Senti-me culpada.
Senti-me egoísta por me sentir dessa forma”.
Mas ela estava
feliz, também, e aliviada por ver que Hines tem uma oportunidade de reconstruir
sua vida. “Para mim”, diz, “o perdão se iguala ao oxigênio”.
Hines entende
que a perda da família deixou um buraco em seus corações.
“Se eles
precisarem de mim a qualquer hora, estarei disponível 100%, sabe, porque eles
perderam alguém amado e eu estou livre”, diz. “Deixe-me ocupar esse espaço.
Deixe-me retribuir”.
Encontro
Quase três
semanas depois, Hines e Warren-Gibbs se sentam em uma mesa, lançando as
sementes da mais improvável amizade.
Durante cerca
de três horas no escritório da advogada de Hines, os dois falam sobre suas
famílias, o encontro de Hines com sua namorada de infância e seu novo emprego
em uma companhia de dejetos industriais onde sua irmã trabalha. Eles riem
algumas vezes, mas falam, também, da tragédia que o colocou na prisão.
“Tudo o que
você faz neste mundo, você tem que pagar”, diz Hines a ela. “Você não pode se
livrar colocando a culpa no universo e pensando que elas não vão voltar e te
pegar”.
Hines mantém
que nunca encorajou ninguém a atirar em Warren, mas diz que se arrepende de sua
omissão. “Se eu tivesse sido esperto o suficiente... eu teria evitado”.
Warren-Gibbs
diz a Hines que escreveu várias cartas para ele ao longo dos anos, mas nunca se
sentiu confortável para enviar. De vez em quando, buscava seu perfil prisional
online, esperando que um dia seu rosto não aparecesse, indicando sua libertação.
“Desejaria ter
feito mais para ajudar”, diz. “Quero apenas o melhor para você”.
Quando a
conversa se volta para o futuro, Warren-Gibbs fala de um novo laço – “estamos
conectados”, ela proclama com um sorriso – e diz a Hines que gostaria que ele
se tornasse algo como um irmão adotivo.
“Se você
precisa de um irmão, tem a mim”, ele responde. “A qualquer hora que precisar,
me chame”.
Os dois trocam
números de telefones, posam para fotos que imediatamente enviam um ao outro e
prometem ficar em contato.
Então se
despedem, com um abraço apertado. Warren-Gibbs sussurra “bem-vindo ao lar”,
enquanto uma lágrima desce em seu rosto.
Warren-Gibbs
recentemente contou à Associated Press que ele e Hines trocam mensagens de
texto todos os dias. Ele até enviou a ela uma foto de seu primeiro holerite e
ela planeja convidá-lo para um jantar de família. “Parece mesmo”, ela diz,
“coisa de irmão e irmã”.
Por Associated Press
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