Nunca
desliga: aparelhos inteligentes podem ser usados para
espionar incautos. Quem é mocinho nessa história?
(Sean
Gallup/Getty Images)
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Novos vazamentos do WikiLeaks
mostram como os hackers do serviço de inteligência fazem para acessar quem
quiserem, até os que acreditam estar desligados
De todas as revelações sobre os
métodos de espionagem da CIA, nenhuma causa mais impacto do que um programa de
computador criado para transformar aparelhos de televisão da marca Samsung,
modelo F8000, em grampos secretos instalados bem na sala ou no quarto do
indivíduo visado.
Parece coisa de filmes ou seriados
que fazem paródias de espiões atrapalhados e suas parafernálias prodigiosas.
Até o nome do programa, Anjos Soluçantes, é tirado da cultura pop: uma série da
BBC, Doctor Who, em que alienígenas malignos, quando olhados diretamente, se
transformam em estátuas, inclusive aquelas comuns em cemitérios.
Antes de entrar no caso, muito
sério, da enorme quantidade de informações secretas divulgadas pelo WikiLeaks,
um aviso técnico: os eternamente atentos especialistas no assunto já haviam
alertado que o sistema de reconhecimento de voz das tevês inteligentes da marca
Samsung podem gravar muito mais do que clientes desatentos desejariam.
A “internet da coisas”, em
geral, pode virar coisas que não queremos que apareçam em lugar nenhum, muito
menos na internet. Há casos apavorantes até de babás eletrônicas hackeadas que
jogam na rede imagens de bebês em seus bercinhos.
Com sua queda para a publicidade,
o WikiLeaks deu o nome de “Vault 7” ao vazamento gigante – “vault” é uma
palavra usada para cofre no sentido de caixa-forte. Os documentos foram
passados por um informante por enquanto anônimo, que quer “iniciar um diálogo”
sobre o acesso dos serviços de inteligência a qualquer tipo de dado.
Todas as pessoas do planeta com
algum tipo de celular, acesso e uso de redes cedem voluntariamente seus
recônditos mais secretos aos leviatãs do mundo digital, sabendo ou não disso.
Mas é claro que serviços de inteligência têm um poder mais assustador ainda de
sugar dados e fazer um uso dificilmente controlável deles.
De maneira incrivelmente irônica,
a divulgação pública das informações sobre os métodos de hackeamento da
CIA acontece num momento em que setores dos serviços de inteligência americano
movem uma guerra de informações contra o presidente Donald Trump.
São tantos os vazamentos de dados
que só poderiam ser acessados por agentes dos ramo que Trump perdeu a cabeça,
mais uma vez, e acusou seu antecessor, Barack Obama, de ter mandado grampear
seu bunker, a Trump Tower, durante a campanha eleitoral.
Note-se que os vários desmentidos
são a respeito de uma intervenção direta de Obama, que seria, obviamente,
criminosa. O ex-Diretor Nacional de Inteligência também declarou que Trump
nunca foi interceptado.
Como pessoas do entorno dele
obviamente foram, incluindo o general Mike Flynn, obrigado a renunciar como
assessor de Segurança Nacional depois que repórteres do Washington Post leram
degravações de conversas dele com o embaixador russo, os desmentidos devem ser
vistos nesse contexto específico.
Quem é o mocinho e quem é o
bandido nessa história? A pergunta causa desconforto maior ainda no momento,
especialmente entre a imprensa liberal americana.
A CIA sempre foi vista com
suspeita e condenada por jornais como o New York Times por abusos que vão desde
a intervenção a favor de ditaduras latino-americanas na época da guerra
Fria até os centros secretos de detenção e interrogatório de presos, na maioria
com ligações confirmadas com o terrorismo, no pós-Onze de Setembro.
Jornais como o Times agiram em
conjunto com o WikiLeaks no primeiro grande vazamento – o do soldado
Bradley Manning, hoje com gênero e nome alterados para o feminino Chelsea,
prestes a ser beneficiado pela comutação de pena dada por Obama. Edward
Snowden, responsável pela segunda onda, foi inicialmente tratado como herói da
proteção ao direito inviolável ao sigilo.
Hoje, a situação é diferente. A
imprensa anti-Trump trata os vazamentos dos serviços de inteligência como atos
de bravura contra o que consideram um presidente irremediavelmente comprometido.
O badalado Julian Assange,
que divulgou emails do Partido Democrata com o objetivo de prejudicar a
candidatura de Hillary Clinton, virou um vilão. Edward Snowden continua morando
na Rússia, o que despertou, finalmente, algumas suspeitas de não seja tão
independente quanto se declara.
O informante, por enquanto
desconhecido embora intensamente procurado, passou 8 761 documentos e arquivos
sobre as atividades dos hackers da CIA. Incluídos sistemas de acesso a IPhones,
programas Windows, televisões Samsung e, mais misteriosamente, carros
inteligentes que poderiam receber comandos para matar inimigos por
atropelamento.
Parece coisa do Agente 86, mas
este é o mundo em que vivemos a cada aparentemente inocente clique que damos. A
tensão eterna entre segurança e sigilo, baseada no conceito de que desejamos
que “eles” nos protejam de terroristas ou criminosos sem invadir a intimidade
de cidadãos comuns, só tende a aumentar.
E não adianta desligar a
televisão. O programa da CIA nesse ramo se chama “Fake Off”, ou falso
desligado: o microfone do aparelho grava tudo mesmo quando o alvo acredita que
apagou o sinal. No mundo atual, nada nunca desliga.
Por Vilma Gryzinski
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