Quatro ministros que liberavam uso
para pacientes terminais foram vencidos. Associação Médica Brasileira alegou
risco à saúde e ao tratamento normal.
Por 6 votos a 4, o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (19) suspender uma lei,
válida desde abril deste ano, que autorizou pacientes com câncer a fazer uso da
fosfoetanolamina sintética, a chamada "pílula do câncer". No mesmo
julgamento, os ministros mantiveram suspensas decisões judiciais que obrigavam
o governo a fornecer a substância.
Na sessão, o plenário da Corte
analisou um pedido de liminar (decisão provisória) da Associação Médica
Brasileira (AMB) para suspender a lei, aprovada no Congresso e sancionada em
abril pela presidente afastada Dilma Rousseff. No julgamento do mérito, ainda
sem data prevista, o plenário deve decidir se anula, ou não, a lei.
Votaram para suspender a lei os
ministros Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Outro grupo de ministros, minoritário e,
portanto, vencido no julgamento, votou para liberar a substância somente para
pacientes terminais: Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O
ministro Celso de Mello, ausente, não votou no julgamento.
Um método de sintetização da
fosfoetanolamina foi descoberto na década de 70 pelo químico Gilberto Orivaldo
Chierice, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) em São Paulo,
que testou o composto em camundongos, segundo ele, com resultados positvos. A
substância, no entanto, ainda não obteve o respaldo de cientistas no tratamento
de câncer em seres humanos.
A AMB acionou o STF para derrubar
a lei, que dispensou o registro Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
para produção e distribuição do medicamento para tratamento de câncer. A
própria lei diz que a permissão foi dada "em caráter excepcional",
mesmo enquanto estudos clínicos são realizados sobre a substância.
Na ação, a AMB alegou que o uso da
fosfoetanolamina, além de não ter eficácia comprovada, pode prejudicar os
pacientes, ao comprometer o tratamento convencional contra o câncer. A lei,
argumenta, contraria os direitos à saúde, à segurança e à vida, garantidos pela
Constituição.
"A visão que as comunidades
médicas têm atualmente é que, adiante com essa lei, haverá um aumento das
mortes pelo abandono do tratamento convencional já existente. [...] Não podemos
permitir que uma substância aplicada em experiências com animais seja tratada
com eficácia desconhecida e que tornam aquela chance de cura perdida",
afirmou na tribuna do STF o advogado da AMB, Carlos Magno Michaelis Junior.
Em seu voto, o relator do caso,
ministro Marco Aurélio, considerou que a legislação exige a aprovação prévia
pela Anvisa para novos medicamentos comercializados no país.
"O Congresso Nacional, ao
permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade
sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da
população. […] A aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é
condição essencial, diria eu, para industrialização, comercialização e importação
com fins comerciais", afirmou.
Primeiro a votar após Marco
Aurélio, o ministro Edson Fachin abriu a divergência, para liberar o uso
somente para pacientes terminais. Em seu voto, ele disse que a Anvisa não tem
competência exclusiva para autorizar o uso da substância e que, no caso de
pacientes terminais, deve ser preservada o direito deles de escolha.
"Quando não houver outras
opções eficazes é que a relativização do controle estabelecido por ela [Anvisa]
pode ser tido por consentâneo com a Constituição. Em tais casos, pode o
Congresso Nacional, no exercício de sua competência privativa para regular o
funcionamento do SUS, reconhecer o direito de pacientes terminais, a agirem,
ainda que tendo que assumir riscos desconhecidos, em prol de um mínimo de qualidade
de vida", afirmou.
Durante o julgamento, vários
ministros que votaram para suspender a lei – e, portanto, também sua
distribuição a qualquer paciente com câncer –, lembraram de uma resolução da
Anvisa que libera medicamentos ainda não aprovados para pacientes terminais, em
casos excepcionais.
Em seu voto, a ministra Cármen
Lúcia considerou que a liberação apenas para pacientes terminais poderia dar
esperança. Ao final, porém, contra essa possibilidade pela falta de parâmetros
sobre como qualificar um portador de câncer nessa situação. “A interpretação
conforme liberaria de forma ampla e geral e sem as condições que a Anvisa
propicia”, explicou.
Em voto para liberar a
fosfoetanolamina aos pacientes terminais, Gilmar Mendes considerou que a
resolução da Anvisa “traz mais trava que permissão”. Defendeu depois que, mesmo
sem autorização, pode ser um tratamento alternativo.
“É um tratamento de caráter
alternativo. Se provoca um bem estar, vai propiciar um melhor desenvolvimento e
um melhor estágio espiritual e, por isso, contribuir para o tratamento da
doença, já será algo importante, significativo”, disse.
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