Supersticiosa,
Dilma Rousseff contou que entrará em 2016 carregando no pulso esquerdo sua
antiga pulseira de olho grego, poderoso talismã para espantar o mau olhado e as
energias negativas. Diante da economia em frangalhos, com a popularidade em
queda e sob grave crise política, a presidente que tem medo de avião sabe que
enfrentará muito mais turbulências neste ano novo. A todos com quem conversa,
porém, ela diz que o processo de impeachment não vingará.
“Não acharam nem
vão achar uma vírgula que possa me incriminar”, afirma Dilma. Quando
interlocutores querem saber o seu estado de ânimo, a inquilina do Palácio do
Planalto responde: “Tem gente que quer que o céu caia sobre a minha cabeça, mas
eu aguento bem a pressão. A única pessoa que pode derrotar você é você mesma.”
Apesar da
retórica de resistência, Dilma teve momentos de depressão neste primeiro ano do
segundo mandato. Dezessete quilos mais magra por causa de uma dieta, ela já
esperava que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desse a largada
para o impeachment, mas não escondeu o abatimento quando, no último dia 8, o
plenário da Casa elegeu uma chapa com maioria oposicionista para a Comissão
Especial que analisará o pedido de afastamento.
“Quer dizer que
vamos perder tudo?”, perguntou Dilma, incrédula, a ministros do núcleo político
do Planalto. A presidente já havia sido alertada de que a estratégia usada por
Cunha, com a adoção do voto secreto, favorecia a traição dos aliados. Mesmo
assim, ficou surpresa quando viu que o governo tinha conseguido apenas 199
votos, uma margem muito estreita, levando-se em conta que, para barrar o
processo no plenário, são necessários 171 deputados.
O alívio veio
nove dias depois, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou o
rito estabelecido por Cunha e deu ao Senado - Casa com maioria governista - a
palavra final sobre o impeachment. O voto do ministro Dias Toffoli, no entanto,
foi recebido como um tiro no Planalto. Ex-chefe da assessoria jurídica da Casa
Civil no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e ex-advogado do PT,
Toffoli irritou Dilma. “Se um presidente não tem apoio de 1/3 dos deputados,
fica difícil a governabilidade”, afirmou ele, ao votar contra o governo.
Kombi. No
ano em que a Operação Lava Jato revelou a corrupção na Petrobrás, pesos pesados
do PT foram presos, o vice Michel Temer escancarou divergências com Dilma, o
PMDB ameaçou abandonar o barco e Joaquim Levy deixou a Fazenda acusando o
governo de ter “medo de reformas”, Dilma promoveu várias reuniões secretas.
Em pelo menos
duas ocasiões, ministros do PT chegaram ao Palácio da Alvorada “escondidos” no
banco de trás de peruas Kombi, para “despistar” a imprensa. Embora até Lula
incentivasse um acordo com Cunha - acusado de manter contas na Suíça com
dinheiro desviado da Petrobrás -, a certa altura ficou evidente que a abertura
do impeachment seria inevitável.
Lula reclamou de
sua “criatura” a vários amigos. Disse que ela não o ouvia e só dava “notícia
ruim”, deixando o ajuste fiscal e a Lava Jato dominarem a agenda do País. “Eu
não posso falar mal dela, mas também não tenho motivos para falar bem”, afirmou
o ex-presidente a um deputado aliado, pouco antes de constatar, em reunião com
religiosos, que tanto ele como a sucessora estavam “no volume morto”. Dilma
ficou furiosa.
O inferno de
Dilma ganhou contornos mais dramáticos quando o Tribunal de Contas da União
rejeitou o balanço de 2014 do governo, em 7 de outubro, abrindo caminho para o
impeachment. A reprovação das contas teve como base as pedaladas fiscais,
manobras que consistiam em atrasar repasses do Tesouro aos bancos para
pagamento de programas sociais.
Antes disso, em
12 de setembro, dez ministros se reuniram para traçar estratégias de reação ao
agravamento da crise. Dilma estava preocupada com a inflação, o desemprego e a
perda do grau de investimento do Brasil. A versão divulgada foi a de que se
discutia ali um corte nas contas do governo para tentar cobrir o déficit de R$
30,5 bilhões no Orçamento. Na prática, porém, o tema do encontro foi a
tentativa da oposição, com apoio de uma ala do PMDB, de tirar Dilma do
Planalto.
Nem mesmo a
reforma ministerial, anunciada em 2 de outubro, conseguiu amenizar as
dificuldades. A presidente cortou oito pastas, mas entregou sete ministérios ao
PMDB e o “coração” do Planalto a homens da confiança de Lula, como Ricardo
Berzoini (Secretaria de Governo) e Jaques Wagner (Casa Civil). Dois meses
depois, o PT anunciou que não salvaria Cunha no Conselho de Ética, o impeachment
foi aberto e Temer apareceu flertando com o PSDB.
“Mas o que é
isso?”, indagou Dilma, no último dia 7, ao ler uma carta escrita pelo vice.
Eram 18h30 quando o envelope lacrado, com a correspondência de Temer, foi
entregue a ela, no Planalto. No texto, o vice dizia cumprir papel “decorativo”
e se queixava da “absoluta desconfiança” da presidente e do seu entorno em
relação a ele e ao PMDB. “Que coisa estranha!”, exclamou Dilma.
Ministros do PT
interpretaram a carta como um pretexto para Temer se divorciar de Dilma. “Não
aceito a pecha de conspirador”, reagiu o vice. O desfecho desta história, no
entanto, ficou para 2016. No Planalto, dizem que há muito olho grego para rolar
embaixo da ponte.
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