Parte do tráfico no país seria
comandado por líderes de dentro de prisões
O sol se põe em Bali e, enquanto
alguns acompanham esse espetáculo na areia à beira-mar, outros se preparam para
mais uma noite de negócios.
Rua Caminha por Kuta, o reduto de
turistas no sul de Bali, e é abordado por dois jovens, que oferecem massagem e
aluguel de motocicletas. Em seguida, têm mais a ofertar: "Maconha?
Ecstasy?".
O turista está aqui há apenas um
dia, mas fala como se conhecesse bem a ilha: "É bem fácil conseguir
drogas. Mas é preciso tomar cuidado", diz, numa conversa informal.
Bali é conhecida por sua beleza
paradisíaca, atmosfera relaxante e grandes festas – e pela fama do fácil acesso
a sexo e drogas. Uma mistura que faz com que muitos que chegam aqui se
recusarem a ir embora.
Não é difícil, então, ver o apelo
que Bali tem para traficantes, que miram um mercado que as próprias autoridades
classificam como grande e a perspectiva de dinheiro fácil e rápido.
A ilha conta parte do problema na
Indonésia, que integra uma das rotas mais conhecidas de tráfico no Sudeste
Asiático e é um grande centro de produção e consumo.
O país está numa
"emergência" devido às drogas, diz o presidente Joko Widodo, que
neste ano retomou as execuções de traficantes, por fuzilamento, apesar de
pressão internacional para que reverta as penas.
Nove presos deverão ser executados
nos próximos dias, entre eles o paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, de 42
anos, preso no aeroporto de Jacarta em 2004 com 6 kg de cocaína escondidos em
pranchas de surfe.
Ele poderá ser o segundo
brasileiro a ser executado na Indonésia por tráfico de drogas. Em janeiro, o
carioca Marco Archer Cardoso Moreira, que teria até dominado o fornecimento de
maconha em Bali, foi um dos seis traficantes a serem mortos.
"Grande Mercado"
É 1h00 de um domingo de março numa
das mais populares casas noturnas de Kuta, quando três funcionários são
chamados para atender a uma emergência no banheiro masculino.
Eles tentam ajudar um jovem
estrangeiro que não consegue sair de uma das cabines privadas – e que parece
ter sido trancado por ele mesmo ali dentro.
Quando, finalmente, destrava a
porta, parece desorientado. Corre para a pia, enxagua o rosto e é logo amparado
por amigos.
Pouco depois, uma turista
estrangeira é carregada por dois amigos, aparentemente sem saber o que acontece
a sua volta.
Cenas como essa se repetem
diversas vezes e é difícil dizer se estão relacionadas ao uso de drogas. Mas
todos parecem concordar que o consumo delas é frequente nas festas aqui.
Gusti Ketut Budiartha é o chefe do
escritório em Bali da agência antinarcóticos indonésia, a BNN. Desde 2011, ele
lidera uma equipe de 100 policiais que patrulham a ilha para coibir o comércio
de drogas.
Bali tem cerca de 4,2 milhões de
moradores, e a estimativa é de que 3,5 milhões de turistas estrangeiros
estiveram na ilha em 2014.
Números que fazem de Bali "um
grande mercado" para traficantes, diz Budiartha.
"Há uma relação entre drogas
e turismo... Alguns turistas, nem todos, usam drogas. Gente de todo o mundo vem
a Bali. Todo mundo olha para Bali e alguns precisam fazer dinheiro. Há um
mercado para drogas", disse ele à BBC Brasil.
"(Bali) é um destino
turístico famoso e, geralmente, pessoas em férias querem ter prazer. E, para
alguns, isso inclui drogas".
Mas os estrangeiros são apenas
parte do problema, diz ele: o desenvolvimento de Bali, com a expansão da
infraestrutura de turismo para áreas antes isoladas, teria impulsionado o uso
de drogas também pela população local, a partir do contato mais intenso com
visitantes de fora.
"Qualquer coisa"
Policiais são vistos nas regiões
mais movimentadas, mas parecem incapazes de patrulhar todas as vielas que
cortam a ilha, onde vendedores oferecem também cogumelos mágicos ou
medicamentos e estimulantes como Viagra, Cialis ou efedrina.
Sentado na entrada de uma
lanchonete, um jovem diz ter "qualquer coisa que você quiser".
Maconha é, historicamente, a droga
mais usada na Indonésia.
Mas, nos últimos anos, houve um
aumento expressivo no consumo de ecstasy e metanfetamina – conhecida localmente
como "shabu" -, diz um relatório da Organização das Nações Unidas,
que apontou um crescimento no número de "fábricas" de drogas
sintéticas no país.
Também são populares cocaína e
heroína.
"(Turistas) vêm para cá com
diferentes objetivos. Alguns estrangeiros vêm para cá só para usar
drogas", diz I Made Adi Mantara, diretor do centro de reabilitação Yakeba,
em Bali.
"Tem um mercado, muitos
usuários. Tem dinheiro. É lucrativo... As pessoas oferecem drogas para você na
rua. Não é difícil. Qualquer coisa que você quiser, eles vão te oferecer".
A Indonésia tem 250 milhões de
habitantes. O presidente Widodo diz haver cerca de 4,5 milhões de usuários de
drogas no país, e que entre 40 e 50 indonésios morrem todos os dias por causa
de narcóticos - mas muitos questionam a veracidade destes números.
"Todo mundo presta atenção a
Bali por causa dos estrangeiros. Mas em Jacarta e em outras cidades o problema
é maior que em Bali", disse Mantara.
Na verdade, a aparente venda fácil
de drogas não é diferente da realidade de outros países da região, também
populares destinos para estrangeiros.
Na Tailândia, por exemplo, o uso
de alucinógenos é conhecido nas famosas festas da Lua Cheia. Ou no Camboja,
onde a "pizza feliz", salpicada de maconha, parece ser item
obrigatório no cardápio de turistas.
Execuções têm efeito?
Ferni Yuniarti Pozaddier tem 35
anos e é ex-usuária de drogas. É HIV positivo e disse já ter provado "de
quase tudo". Já vendeu drogas e conta que, antes da repressão maior,
comprá-las "era muito barato". "Agora, é muito, muito
caro".
Essa é uma observação ouvida com
frequência em Bali. Numa das abordagens na rua, um vendedor oferece uma pílula
de ecstasy ao equivalente a US$ 50.
É difícil saber o que está sendo
vendido e por quem – tópico frequente de discussão aqui e em fóruns na
internet, onde usuários alertam para "armadilhas" e o perigo de
comprar drogas nas ruas.
Policiais trabalham à paisana para
detectar vendedores e compradores de drogas.
Há, também, relatos de agentes
associados a traficantes que, ao flagrar estrangeiros com drogas, cobrariam
propinas que chegariam a milhares de dólares num país habituado a casos de
corrupção.
Budiartha, da polícia
antinarcóticos de Bali, disse ter havido casos de policiais demitidos por
estarem envolvidos com grupos de drogas, mas não citou casos atuais.
A maior fiscalização das
autoridades indonésias tem sido elogiada internacionalmente, mas fronteiras
porosas e corrupção endêmica seguem como grandes desafios na luta contra o
tráfico de drogas, alertou o Departamento do Estado americano em relatório
divulgado no ano passado.
Parte do tráfico no país seria,
inclusive, comandado por líderes de dentro de prisões indonésias, onde a
corrupção é conhecida e acusações de favorecimento são generalizadas.
E nem a retomada das execuções
parece afastar traficantes. "Na minha opinião, as execuções não têm
efeito", diz Budiartha.
Em janeiro, a agência antidrogas
indonésia confiscou mais de 860 kg de metanfetaminas, no que autoridades
consideraram a maior apreensão de drogas da história do país, segundo a
imprensa local.
Sinal de que o mercado, à primeira
vista, segue atrativo.
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