'Precisamos
de uma filial no Brasil', diz internauta do Rio de Janeiro
em site
satanista (Foto: THE SATANIC TEMPLE SEATTLE CHAPTER)
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Devotos de Lúcifer ou ativistas
políticos disfarçados de religiosos? Proposta de Templo Satanista aproveita
regra que permite cursos cristãos em escolas públicas e levanta discussão sobre
separação entre Estado e religião nos EUA.
Representantes de Deus e do Diabo
na Terra estão disputando a atenção de alunos de escolas públicas nos Estados
Unidos.
Desde 2001, a Suprema Corte
americana permite que grupos religiosos ofereçam cursos extracurriculares a
alunos da rede pública. Graças à regra, igrejas católicas e evangélicas
espalharam os chamados "Clubes de Boas Notícias" por colégios de todo
o país, com a missão de "evangelizar meninos e meninas com o Evangelho do
Senhor, para estabelecê-los como discípulos da Palavra de Deus".
Com a imagem de um lápis escolar
de três pontas, simulando um tridente, membros do Templo Satanista dos EUA
decidiram aproveitar a legislação para "oferecer uma alternativa a
crianças e pais" e questionar a legitimidade dos cursos cristãos na rede
de ensino infantil.
"Se cursos religiosos são
permitidos nas escolas, nós queremos espalhar nossos clubes por toda a nação
para garantir que múltiplos pontos de vista estejam representados", disse
à BBC Brasil Chalice Blythe, diretora nacional do programa "Satã Depois da
Escola" (After School Satan Program, no original), do Templo Satânico dos
EUA.
A estratégia inclui um convite em
vídeo, com áudio invertido e imagens de crianças intercaladas com aranhas,
bodes com longos chifres e outros símbolos satânicos, em que o grupo convoca
estudantes para "aprenderem e se divertirem" com o satanismo.
Um livro de colorir chamado O
grande livro de atividades das crianças satanistas, vendido por 10 dólares
(aproximadamente R$ 33), estimula os pequenos a brincarem de "ligar os
pontos para formarem um pentagrama invertido", símbolo clássico associado
ao reino de Satanás.
Em coro com diversos grupos
religiosos, a conservadora TFP (Tradição, Família e Propriedade) americana
reagiu, classificando o projeto como "sacrilégio" e convocando fiéis
a protestarem "pelo retorno da moral cristã".
"Precisamos frear a
popularidade do satanismo", destacou a entidade, endossando uma onda de
abaixo-assinados criados por igrejas para proibir cursos satânicos para
crianças.
Ativismo x Religião
Com um discurso fortemente
político, o Templo Satânico foi criado em 2014 como um novo ramo do Satanismo
americano tradicional. O templo tem forte atuação em redes sociais, onde reúne
mais de 100 mil seguidores - especialmente jovens. Em menos de três anos, o
templo inaugurou "capítulos" (ou escritórios) em 13 Estados
americanos.
Mais do que devotos do Diabo,
entretanto, o projeto satanista vem ganhando popularidade entre ateus e
ativistas políticos nos Estados Unidos e outros países.
"Precisamos de uma filial do
templo no Brasil", escreveu um morador do Rio de Janeiro na página do
grupo satanista no Facebook.
"O novo prefeito da minha
cidade é um bispo evangélico e está começando a mostrar serviço em nome de
Deus. Nas câmaras legislativas existem cultos para Jesus. Em nossa Constituição
está escrito que somos um país secular, mas mesmo em nossa Suprema Corte temos
um crucifixo na parede. Se até a nossa Justiça não respeita a Constituição,
quem respeitará?", questionou o brasileiro, em meio a outros comentários
críticos relacionando política e religião.
Fundador do Templo Satânico e
ex-aluno de neurociência da Universidade de Harvard, o americano Lucien Greaves
tem como bandeiras a defesa do conhecimento científico, das liberdades
individuais e direitos humanos, da legalização do aborto e do casamento entre
pessoas do mesmo sexo e, acima de tudo, da separação entre religião e Estado.
Grupo que
'oferecer uma alternativa a crianças e pais'
e questionar
a legitimidade dos cursos cristãos na rede de
ensino infantil dos EUA (Foto: Reprodução)
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O posicionamento gera ceticismo -
estes satanistas seriam mesmo religiosos ou são um grupo político que se
aproveita das leis ligada a religiões?
"O Templo Satânico é uma
religião igual a qualquer outra, na medida em que nós (membros) temos um senso
de identidade, comunidade, estrutura narrativa, cultura e valores
compartilhados", responde a satanista Blythe, em entrevista à BBC Brasil.
"Não ter crenças ou
fundamentos supersticiosos não nos torna menos sinceros em nossas ações e
convicções do que aqueles que mantêm a crença em uma divindade", completa.
Mas, se o foco é científico e
distante de misticismos, por que a opção pela imagem do diabo?
"Satanás é um símbolo do
eterno rebelde em oposição à autoridade arbitrária", responde. "Nosso
é o Satanás é o herege que questiona as leis sagradas e rejeita todas as
imposições tirânicas".
'Disfarce'
Para o advogado constitucionalista
John Eidsmoe, "a principal questão constitucional ligada a proposta de
curso infantil satanista é entender se o Satanismo é uma religião".
"Não consigo prever como uma
corte decidirá em relação a isso", afirmou Eidsmoe ao jornal religioso The
Christian Post.
Além dos cursos infantis, a
estratégia do templo Satânico inclui a instalação de monumentos dedicados a
Satanás ao lado de estátuas cristãs em locais públicos e intervenções em
procissões religiosas.
Para a maioria dos grupos cristãos
tradicionais, estes satanistas seriam "ativistas políticos travestidos de
religiosos".
"Este grupo não é legítimo. A
única razão para ele existir é se opor aos Clubes de Boas Notícias, onde
ensinam a moral, o desenvolvimento do caráter, patriotismo e respeito, de um
ponto de vista cristão", afirmou, em nota, Mat Staver, fundador do grupo
evangélico Liberty Counsel.
"O chamado grupo satanista
não tem nada de bom para oferecer aos alunos. As escolas não precisam tolerar
grupos que perturbem o ambiente e visam (prejudicar) outros clubes legítimos.
Nenhum pai em sã consciência permitiria que seus filhos participem desse
grupo", completou.
Para o pastor presbiteriano Jerry
Newcobe, "um dos grandes problemas com a América contemporânea é o multiculturalismo,
que abrange todos e todos sem discernimento".
"O cursos satanistas para
crianças desrespeitam a lei porque querem proteger as crianças de qualquer
forma de cristianismo", diz.
Programa
A proposta "Satã Depois da
Escola" prevê encontros mensais de uma hora em salas alugadas por escolas
públicas, nos mesmos moldes dos clubes cristãos. As reuniões incluem "uma
refeição saudável, aulas de literatura, atividades de aprendizado criativo,
ciências e artes".
"Todas as crianças são
bem-vindas, independente de seu histórico religioso", ressaltam os
satanistas na carta de apresentação do projeto a escolas.
À BBC Brasil, a porta-voz do
Templo Satânico afirma que os cursos infantis não se propõem à devoção do
Diabo, mas "a um currículo que enfatiza uma visão de mundo científica,
racionalista e não supersticiosa", como alternativa aos dogmas do ensino
cristão.
Questionada se preferiria que as
aulas cristãs fossem canceladas, em vez de ter seus cursos satânicos em
atividade nas escolas do país, Blythe mostra preferência pela primeira opção.
"Se o medo de os satanistas
chegarem às escolas públicas for suficiente para justificar que todos os clubes
religiosos sejam proibidos, veremos isso como um resultado positivo", diz
a representante do grupo.
À reportagem, ela diz afirma que
"os Clubes de Boas Notícias não deveriam ser permitidos em escolas
públicas porque são uma ferramenta usada por fanáticos evangélicos para fazer
proselitismo e doutrinar crianças jovens em sua visão extremista de
mundo".
A porta-voz do Templo Satânico diz
que o grupo está "trabalhando na criação de um programa de voluntariado
para os cursos infantis para o ano letivo 2017-2018, que permitirá que os
voluntários estabeleçam os clubes em suas escolas".
Questionado, o grupo não confirmou
se obteve permissão oficial de alguma escola para a criação dos grupos no
próximo ano letivo, que começa em setembro.
Por BBC
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