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PRONA Dez anos depois de sua morte, várias
bandeiras de
Enéas ressurgem no discurso de Bolsonaro
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Visto como autoritário e
truculento por muitos, um político se lança à Presidência prometendo
restabelecer a ordem no Brasil. Aos berros, acusa PT e PSDB de serem faces da
mesma moeda, defende os valores da família tradicional brasileira e questiona
os interesses internacionais por trás da demarcação de reservas na Amazônia.
Não estamos falando da
movimentação do deputado federal Jair Bolsonaro rumo a 2018, mas sim da
candidatura do médico acreano Enéas Carneiro ao Palácio do Planalto, em 1994.
Morto em 2007, Enéas concorria
pelo pequeno Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona) e deixou para
trás figurões como os governadores Leonel Brizola (PDT) e Orestes Quércia
(PMDB). Com 7% dos votos, chegou em terceiro lugar, atrás do petista Luiz
Inácio Lula da Silva e do tucano Fernando Henrique Cardoso.
Vinte e três anos depois, várias
bandeiras de Enéas ressurgem na disputa presidencial - agora encampadas por
Bolsonaro, que se diz grande admirador do cardiologista acreano e o considera
uma de suas maiores influências na política.
O apreço é tanto que, em maio, o
deputado e seu filho, Eduardo Bolsonaro, propuseram uma lei para que Enéas seja
incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria - lista de personagens que,
segundo página do Senado, "protagonizaram momentos marcantes da história
do Brasil" e tiveram seus nomes aprovados em votação no Congresso e que
conta atualmente com 41 nomes, entre eles Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Dom
Pedro 1º, Santos Dumont, Chico Mendes, Getúlio Vargas e Heitor Villa-Lobos.
"Seu valoroso nacionalismo e
sua oposição ao comunismo o qualificam como herói da pátria", justificam
pai e filho no Projeto de Lei 7.699.
Em outra frente, o Partido
Ecológico Nacional (PEN) - pelo qual Bolsonaro deve disputar a Presidência -
anunciou que cogita mudar o nome para Prona em homenagem ao político acreano.
'Homem do futuro'
© AFP Enéas
é tratado como visionário por criticar
megainvestidor
George Soros
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Bolsonaro costuma dizer que Enéas
foi um "homem do futuro" e destacar as posições do médico sobre o
nióbio, metal que também ocupa um papel central na plataforma econômica do
deputado. O Brasil abriga 98% das reservas conhecidas de nióbio, elemento
químico empregado na fabricação de turbinas de avião, tomógrafos e lâmpadas
potentes, entre vários outros itens de alta tecnologia.
Enéas lamentava que o Brasil
exportasse nióbio bruto "a preço de banana", em vez de usá-lo para
desenvolver a indústria nacional. Ele dizia que o metal tinha tanto potencial
que poderia até lastrear a moeda brasileira.
Bolsonaro compartilha do
entusiasmo do acreano e defende que o Brasil tenha um "vale do
nióbio" - referência ao Vale do Silício, sede de várias das maiores
empresas de alta tecnologia dos EUA.
O deputado diz que o metal poderia
ter peso maior que o agronegócio na economia brasileira - opinião vista como
exagerada por especialistas, que, no entanto, reconhecem que o país poderia
agregar mais valor ao produto antes de vendê-lo.
Outro ponto que une Enéas e
Bolsonaro é a crítica à demarcação de áreas indígenas. Em 2005, quando eram
colegas na Câmara dos Deputados, os dois viajaram juntos a Roraima, onde 46%
das terras são ocupadas por índios.
Na volta, Enéas afirmou no
plenário que os indígenas não precisavam de terras, mas de melhores condições
materiais. "A terra dada aos índios é suficiente para eles andarem por ali
durante 600 anos e sequer chegarem a conhecer toda a região. Tudo isso está
altamente programado por um monstruoso poder alienígena [estrangeiro], que tem
interesse nas riquíssimas jazidas que estão no subsolo brasileiro."
Da mesma forma, Bolsonaro costuma
dizer que "onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo
dela". Em visita recente a Mato Grosso, afirmou que não haverá "um
centímetro quadrado demarcado como terra indígena" se virar presidente.
"Grande parte dos índios são
brasileiros como nós: ele quer ter energia elétrica, televisão, namorar uma loirinha,
ter internet."
Enéas Mil Grau
As frequentes menções de Bolsonaro
a Enéas têm ajudado a popularizar o acreano entre fãs do deputado e grupos de
jovens de direita.
No canal Enéas Mil Grau no
YouTube, um vídeo expõe as "mitadas mais fodas" do cardiologista.
Indagado num programa de TV se acreditava em Deus, ele diz que sim, pois não
conseguia "entender um universo tão bem feito no nível macrocósmico e
microcósmico sem que haja uma mente prodigiosa por trás". Uma montagem
então exibe o rosto de Enéas com óculos escuros ao som do rap Turn Down
For What.
Muitas páginas de fãs de Bolsonaro
mostram entrevistas e discursos de Enéas, ressaltando seu parentesco ideológico
com o ídolo. Em alguns vídeos, o médico é tratado como um visionário ao
criticar o megainvestidor húngaro-americano George Soros na campanha
presidencial de 2002.
Enéas condenava a participação de
Soros na privatização da mineradora Vale (o bilionário comprou 1,25% das ações
da empresa) e o criticava por financiar organizações pró-legalização de drogas.
Em 2010, o investidor escreveu um artigo no Wall Street Journal em
que defendeu substituir políticas de repressão às drogas por campanhas de
educação.
Hoje, Soros é um dos maiores alvos
de grupos conservadores brasileiros e estrangeiros, vilanizado por financiar
causas associadas à esquerda mundo afora, como igualdade de gênero, direitos
LGBT e combate ao racismo.
Em outro vídeo, um seguidor de
Bolsonaro compara o tratamento recebido pelo deputado ao dado ao acreano.
"Estão fazendo com Bolsonaro o mesmo que fizeram com Enéas - desprezado,
humilhado e chamado até de louco por muitos."
Afilhada política de Enéas, a
médica sergipana Havanir Nimtz, eleita vereadora e deputada estadual em São
Paulo, celebra o ressurgimento do mentor. "Seus ensinamentos estão
mostrando à população brasileira, via YouTube, Facebook e outros meios de comunicação,
que ele estava certo, e que a solução para o Brasil é administrá-lo com força,
capacidade e princípios familiares e religiosos", ela diz em nota à BBC
Brasil.
© Reuters Principal
crítica de Enéas a Lula era a baixa
escolaridade do petista, diz historiador
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Hoje sem cargo político e filiada
ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Havanir não quis comentar a
ascensão de Bolsonaro.
Críticas à ditadura
Apesar das convergências entre
Enéas e Bolsonaro, há diferenças importantes em seus pensamentos e trajetórias.
Autor da tese de doutorado Meu
nome é Enéas!, bordão usado pelo cardiologista em suas propagandas
eleitorais, o historiador e pesquisador da PUC do Rio Grande do Sul Odilon
Caldeira Neto diz que os dois políticos se aproximam pelo discurso nacionalista
e pela "tentativa de criar uma forma autoritária e conservadora de
estruturar a nação brasileira."
Ele aponta, porém, que Enéas
discordava de Bolsonaro em relação à ditadura militar. Em entrevista ao
programa Roda Viva, em 1994, o médico criticou o regime por
asfixiar a imprensa e por "esquecer uma coisa fundamental: a formação do
cidadão, o investimento no homem". No manifesto de fundação do Prona, de
1989, o partido diz que a ditadura "não foi um período de felicidade para
o povo brasileiro".
Já Bolsonaro "tenta se
colocar como um herdeiro do regime militar", segundo o historiador. O
deputado costuma dizer que os militares livraram o país do comunismo e deram
mais segurança e liberdade aos brasileiros.
Cofundador do Prona e candidato a
vice na chapa liderada por Enéas em 1989, o médico Lenine Madeira de Souza
rejeita a associação com Bolsonaro.
"O doutor Enéas era uma
pessoa altamente preparada, cheia de valores. Não se compara com um indivíduo
que se coloca dentro de um contexto de direita, tentando pegar os mais
desavisados como se fosse uma solução - solução que naturalmente deixaria o
país numa situação muito pior", diz Souza.
Procurado pela BBC Brasil por
email e telefone, Bolsonaro não respondeu aos pedidos de entrevista sobre a
influência de Enéas em sua carreira.
Dois grupos disputam o posto de herdeiros
do Prona. Ex-assessora de Enéas, a advogada Patrícia Lima tenta criar o Partido
de Reestruturação da Ordem Nacional. Aliado da advogada, João Vitor Sparan
disse à BBC Brasil que o grupo discute com a equipe de Bolsonaro uma fusão ou
aliança para 2018.
Outra entidade é liderada pelo
teólogo Euclides Netto, ex-membro do Prona e que tenta fundar o Novo Partido da
Reedificação da Ordem Nacional. Netto se diz o verdadeiro sucessor de Enéas e
condena o diálogo entre Bolsonaro e Patrícia Lima.
Autoridade e ordem
Assim como Bolsonaro, Enéas também
começou sua carreira nas Forças Armadas - onde, segundo Odilon, "se inicia
o processo da construção do apego à autoridade e à ordem" que o marca.
Nascido em 1938 em Rio Branco,
capital do Acre, ele se muda aos 20 anos com a mãe viúva para o Rio de Janeiro
em busca de uma vaga na Escola de Sargentos do Exército. Odilon diz que o
acreano ficou dois anos na instituição, até se formar em primeiro lugar da
turma como 3° Sargento Auxiliar de Anestesia.
Em seguida, Enéas entra na
Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e, dois anos depois, inicia
a graduação em Física e Matemática.
O acreano atuou como cardiologista
por mais de 30 anos e lançou em 1977 o livro O Eletrocardiogama,
que se tornou referência entre profissionais da área.
Além de atender em hospitais no
Rio, Enéas deu aulas a estudantes de medicina e foi professor de matemática,
física, química, biologia e português em cursos pré-vestibular. Entre 1986 e
1988, presidiu a Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro, experiência que o
ajudou a atrair colegas para a criação do Prona.
A trajetória acadêmica de Enéas e
sua longa carreira como professor contrastam com a formação de Bolsonaro, que
cursou a Escola de Educação Física do Exército e fez carreira como paraquedista
militar, passando à reserva como capitão.
Segundo Odilon, Enéas
"acreditava que só poderia ser uma liderança porque tinha uma formação intelectual
e sempre fazia questão de mostrar seu vasto currículo e conhecimento - uma
distância muito grande do que promove Bolsonaro, que faz um discurso em defesa
da não-intelectualidade".
A principal crítica de Enéas a
Lula era sua baixa escolaridade. "Não consigo entender que se lance um
candidado ao cargo mais alto da República e haja aplauso de um grupo a uma
pessoa que nunca estudou e se exprime com muita dificuldade", afirmou.
Integralismo e fascismo
O historiador diz que, após lançar
o Prona, Enéas conquistou o apoio de centros de estudos integralistas,
movimento nacionalista inspirado no fascismo italiano e que teve como destaque
o político e escritor paulista Plínio Salgado (1895-1975).
Enéas rejeitava o rótulo de
fascista e dizia que seu único vínculo com o integralismo era a postura
nacionalista.
"Sou radicalmente contra a
pena de morte, radicalmente contra qualquer forma de discrimação",
afirmou. Em outros momentos, porém, disse que homossexuais eram "um
desvio" e pertenciam a um "grupo que, se se generalizasse,
representaria a extinção da espécie".
Segundo Odilon, o médico não via
qualquer benefício político em ser associado ao integralismo, mas percebeu que
poderia ser vantajoso interagir com o movimento e permitiu que alguns de seus
adeptos entrassem no Prona.
Um dos maiores expoentes do
integralismo - o médico mineiro Elimar Máximo Damasceno - chegou a se eleger
deputado federal pelo partido em 2002. Damasceno foi endossado por apenas 484
eleitores, mas, junto de outros quatro colegas do Prona, foi puxado para a
Câmara pelos 1,5 milhão de votos obtidos por Enéas.
Segundo Odilon, embora Enéas fosse
visto como folclórico por muitos eleitores, ele incorporava um discurso
político com longa trajetória na política brasileira, com raízes não só no
fascismo e em outros movimentos autoritários anteriores à Segunda Guerra, mas
no Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1946).
Tanto é assim que, na eleição
presidencial de 1955, o integralista Plínio Salgado obteve 8% dos votos -
resultado parecido com a votação de Enéas em 1994.
"O regime militar e Enéas
representam uma certa continuidade, com algumas modificações, de um longo
trajeto desse nacionalismo de direita", diz o historiador.
Elo com militares
O mesmo pragmatismo que fez Enéas
dialogar com integralistas o estimulou a se aproximar de militares. Na campanha
de 1994, Enéas defendeu triplicar o efetivo das Forças Armadas.
Quatro anos depois, em outro aceno
ao setor, propôs que o Brasil desenvolvesse armas nucleares "não para
jogar a bomba em ninguém, mas sim para evitar que alguém jogue a bomba
aqui".
Mais tarde, após se eleger
deputado, tornou-se um dos principais críticos ao desarmamento da população
civil, tema caro à atual "bancada da bala".
Odilon diz que, apesar das
convergências, o médico divergia dos militares na forma de encarar o comunismo.
"De fato, em diversos momentos Enéas Carneiro elogiava a filosofia
marxista, ainda que criticasse sobretudo a burocracia e o controle dos meios de
produção e a experiência histórica oriunda da Revolução Soviética."
Certa vez, questionado sobre
figuras estrangeiras que admirava, citou Fidel Castro. Depois justificou-se
dizendo que o mencionara "pela personalidade forte, pela coragem de
enfrentar o monstro [EUA]", mas que não era socialista e defendia a
economia de mercado.
Embora se dissesse
pró-capitalismo, Enéas foi radicalmente contrário à privatização de estatais
nos anos 1990. Para ele, as vendas lesaram o patrimônio público e deixaram
setores econômicos estratégicos nas mãos de "testas de ferro do capital
internacional".
As posições se contrapõem ao
discurso atual de Bolsonaro. No início de sua carreira política, o deputado era
crítico à privatização de estatais, mas passou a dizer que "quanto mais o
Estado se afastar de qualquer atividade econômica, melhor será para o Brasil".
Fusão e leucemia
Em 2006, a aprovação da cláusula
de barreira pelo Congresso ameaçava acabar com o Prona, ao impor restrições a
partidos que não recebessem uma votação mínima em boa parte do país. A sigla
então se uniu ao Partido Liberal (PL), grupo do então vice-presidente, José
Alencar, dando origem ao Partido da República (PR).
Naquele ano, Enéas se reelegeu
deputado pelo PR, mas o avanço de uma leucemia debilitava sua saúde. Antes de
começar a quimioterapia, resolveu raspar a barba, um de seus símbolos. O médico
morreu no ano seguinte, aos 68 anos.
Na pequena comitiva de políticos
presentes no velório - entre os quais Bolsonaro, Havanir e o pastor evangélico
Édino Fonseca -, chamou a atenção dos jornalistas a presença do então deputado
Aldo Rebelo, militante histórico do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
À saída, o comunista disse que
Enéas agia conforme suas crenças e era "um homem público de elevada
confiabilidade" - sinais de um tempo não tão distante em que a polarização
política no país era mais branda.
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